Quando o conheci, eu mal havia saído da infância. Tinha doze anos e estudava no Colégio Industrial, na Praça. Organizaram uma excursão. Saímos bem cedo, ainda antes de o Sol nascer. Um ônibus lotado de adolescentes querendo viver... Não me lembro da viagem, do percurso. Só me recordo de algumas imagens, poucas e saborosas. O Jardim Zoológico. O Pão-de-Açúcar. Na Quinta da Boa Vista... cascos de tartarugas enormes e – oh! – uma legítima múmia egípcia! Ali, num vasto gramado, estendemos nossas toalhas e compartilhamos sanduíches, salgadinhos, pedaços de torta de frango que as mães haviam preparado. Depois, a praia. Ipanema, acho. Ao vislumbrarmos o belo mar, arregaçamos as calças jeans, arrancamos tênis e meias e corremos pela areia para, ao menos, molhar os pés cansados.
Foi só. Aí, o tempo se encarregou de sua leve tarefa: passar. E passou depressa. Na boca e nos olhos, a sensação de ter experimentado pouco.
Há alguns anos, um homem com quem iniciava um romance me propôs (lembro-me bem, estávamos ao telefone): pense num lugar do Brasil que queira conhecer que eu a levarei. Antes que terminasse a frase, eu já sabia. Mas, precavida, fui, por alguns dias, pensando e sentindo... Sem medo de errar, respondi ao gentil homem: Rio de Janeiro. Ele vibrou com a escolha. Era fácil, conhecia muito a cidade.
Por um bom período, percorremos os caminhos do Rio de Janeiro. Conheci, inclusive, a bela Búzios e suas ruas de pedra. As praias limpas, emolduradas por uma brisa leve. A estátua de Bardot constantemente apreciando o pôr-do-sol à beira-mar.
Também fui a Petrópolis e toda a região serrana, hoje bem destruída pelas (por vezes) cruéis chuvas de janeiro. Para além das belezas históricas sempre visitadas pelos turistas, a paisagem soberba e simples me revelou um lugar inesquecível: o Hortomercado Municipal, em Itaipava. Ali desejei viver, somente para, a cada manhã, pegar uma sacola e uma bicicleta e fazer compras no mercado. Produtos frescos da terra, esteticamente exibidos. Pessoas boas, dedicadas a plantar, colher e oferecer seus frutos. Êxtase para olhos, ouvidos, tato, olfato e paladar.
Conheci a singela Ilha de Paquetá e o percurso exuberante para chegar até ela: a barca que passa sob a Ponte Rio-Niterói e exibe o recorte da Cidade Maravilhosa. Sob o mar e o céu, entre a ventania, a cidade mais bela, se distanciando e, depois, se aproximando.
Estive também na Restinga da Marambaia, em Pedra e Barra de Guaratiba. Tomei banho de mar na Prainha e não tive coragem de comer os caranguejos – apreciado por quase todos.
Por dois anos seguidos, passei meu aniversário no Rio de Janeiro. No Pão-de-Açúcar. No Corcovado. Saímos de Guará debaixo de uma chuva forte e intermitente. Não havia sinal de que o tempo melhorasse. Chegamos ao Rio e ainda chovia. No Jardim Botânico, aos poucos, fomos reconhecendo o Cristo entre as nuvens... E assistimos a um belo pôr-do-sol do alto do Corcovado, com direito a céu azul, inclusive. Nessas ocasiões, meus filhos estavam comigo, o que tornou os momentos ainda mais marcantes. Aniversários assim...
Também conheci Copacabana: o bairro, a praia e o Forte, revi Ipanema, visitei o Leblon. Botafogo, a Lagoa, Flamengo, o metrô de paredes de pedras.
Mas, para mim, a beleza maior do Rio de Janeiro vi no centro histórico. Fui até a Cinelândia de metrô e cheguei às lágrimas quando subia a escada rolante. Senti-me um viajante do tempo, ao me enxergar naquele grande largo, cercado de construções suntuosas – a Biblioteca Nacional, o Teatro Municipal, a Câmara dos Vereadores... Surpreendi-me que pessoas pudessem passar por ali cotidianamente sem olhar para o alto, sem estar boquiabertas, como eu estava.
Fui a Santa Tereza de bondinho... sobre os audaciosos Arcos da Lapa, à Praça Quinze, ao Paço, ao Arco do Teles, à estupenda Igreja de Nossa Senhora do Carmo, ao Chafariz de Mestre Valentim, à surpreendente Igreja de Santo Antonio, no Largo da Carioca... Percorremos ruas e ruas do centro histórico. Uma vez, nos perdemos ali, sob uma garoa quente, durante uma tarde. Ensopados, nem queríamos encontrar o caminho do hotel. Éramos abordados a cada esquina por vendedores de guarda-chuvas e recusávamos... Entramos e saímos de ruas – do Lavradio, da Carioca, da Quitanda, do Carmo, da Alfândega, do Rosário e tantas outras... – que revelam, a olhos que querem ver, a beleza esplendorosa da cidade que foi a capital do Brasil. Sobre a Rua do Ouvidor, li, por estes dias, que, ao percorrê-la, tinha-se a impressão de se estar “num pedaço de Londres sob os céus do Egito, algo à moda oriental.” (Max Leclerc, 1889). Era um dobrar de esquina para admirar um monumento alto, rico; outro, para adentrar uma igreja que guardava uma capela repleta de velas acesas; um prédio centenário; relógios nas paredes que pareciam dizer as horas de outros séculos. Um vislumbre. Paramos para um café na famosa Confeitaria Colombo e chegou aos meus ouvidos a saudosa voz desafinada do meu pai, cantando: “o velho/na porta da Colombo/era um assombro/sassaricando...” Quase esbarrei em Machado de Assis, na Bertoleza e no João Romão do Aluísio de Azevedo, no Leonardo Pataca, do Manuel Antônio de Almeida. Eles continuam lá.
Perder-me naquelas ruas foi uma das melhores experiências que tive na vida. Naquelas ruas, senti-me cercada pelo passado, admirável no que tem de bom ou ruim. Senti que compreendia um tanto mais a alma carioca e, dentro dela, a alma brasileira, a minha própria alma. Todas as vezes em que vejo o Rio de Janeiro a sensação é estranha, é como se, de dentro de mim, uma voz sempre dissesse: “o que você está fazendo aqui... por que não está lá?”
O amor ao homem foi infinito enquanto durou... O amor ao Rio de Janeiro... parece-me que será infinito enquanto eu durar.
Eliana Maciel
Sensibilidade no olhar para perceber a beleza mesmo onde ninguém vê; sensibilidade na escolha das palavras revelando a beleza que não está somente nos lugares e cenas observados, mas principlamente nos olhos e no coração de quem observa. Assim é sua crônica: beleza que nos encanta.
ResponderExcluirNossa, parece que visualizei o Rio ....Adorei a última frase...
ResponderExcluirComo também sempre adorei o Rio, há que belezas a compartir.
ResponderExcluirHeloísa Helena Macedo
EH, MENINA!
ResponderExcluirVocê me fez sentir uma vontade danada de revisitar o Rio ( que há muito não vejo)...
Grande abraço
Regina Roppa Evilásio
OI ELIANA.GOSTEI DA SUA VIAGEM-DESCOBERTA.O RIO É DEMAIS MESMO.
ResponderExcluirVAVO - ÁLVARO BENETTI
Eliana, o Rio ,creio, vira um grande amor de todos q tem a oportunidade de conhecer ,penso,pra mim é sim um caderno de lembranças felizes em vários momentos da minha vida.bjs
ResponderExcluirLuiz Antonio Soares
Eliana...adorei sua impressão sensível e amorosa do Rio de Janeiro!!! Que belo "caso de amor"! Vc. tem toda razão...ELE é mesmo maravilhoso!!! Que bom que pode conhecêlo tão de perto. Beijos.
ResponderExcluirElena
Confesso que desejei essa viagem com uma companhia apaixonada ao Rio de Janeiro, como a sua...das vezes que fui, sempre choveu, o tempo cinza, a cidade triste. Talvez fosse porque não estivesse acompanhada de um grande amor. Quem sabe Búzios me reserve essa visão romântica e encantadora...
ResponderExcluirParabéns pelo lindo texto!