domingo, 2 de outubro de 2011

Vinte anos, segredos e milagres

Eu estava com 20 ou 21 anos. Namorava um moço que conheci num baile de Carnaval. Ele era belo: moreno, alto, bem magro, bigodes sedosos e olhar profundo. O sorriso não era comum, mas, quando surgia, iluminava um rosto levemente marcado pela tristeza.  Nós nos dávamos bem: ele era gentil e tranquilo. Aos poucos, o apresentei à minha família, e todos gostavam dele. Minha mãe, especialmente.
Este “príncipe”, porém, tinha um “defeito” (aqueles tempos...): era separado, com duas filhas pequenas. Quando minha mãe soube, ficou muito brava. Toda a conversa de “moço bom” foi por água abaixo. Proibiu-me o namoro. Ah!... quando temos 20 anos! Nada pode nos deixar mais apaixonados que um amor proibido. Encontrávamo-nos aos finais de semana, quase às escondidas. Fiz boa amizade com suas pequenas meninas. Chegamos a viajar juntos, e eu gostava de cuidar delas... e sentia que elas gostavam de estar comigo.
No começo de uma noite de sábado, eu o aguardava... havíamos combinado: ele traria as filhas e me telefonaria, dizendo o local onde nos encontraríamos. Era verão e uma tempestade estava terminando... Eu aguardava a ligação na varanda de casa, observando os pingos do final da chuva e a movimentação da rua. Em frente à casa, a ladeira da Rua Vigário Martiniano estava às escuras... efeito da tempestade. Em um momento, olhei no alto da ladeira e vi um carro - o farol muito alto - parar por um momento, e depois descer a rua, a toda velocidade. Reconheci o carro do meu namorado e não entendi... por que ele não havia ligado? Por que aquela reação intempestiva? Não combinava com o que conhecia dele...
Poucos minutos depois, as vi... as meninas... descendo a ladeira escura, sob a chuva, de mãos dadas, chorando. Nem pensei em entender... desci as escadas, abri a porta, atravessei a rua e fui ampará-las. Elas não conseguiam dizer o que havia acontecido, tanto choravam. Levei-as para casa e, ajudada por minha mãe, oferecemos água com açúcar e carinho para elas. O pai delas ligou. Eu não podia dizer nada, somente que as meninas estavam ali comigo, como por milagre. Ele tomou um táxi e chegou em casa em poucos minutos.
A situação foi esclarecida: ele havia parado na Rodoviária para ligar para mim (tempos sem celular!), deixou as meninas no carro e se esqueceu de tirar as chaves do contato. Em um segundo,  um homem adentrou o carro e o levou... junto com as meninas. Elas contaram que começaram a chorar, chamando pelo pai... e o tal homem disse que logo, logo, elas o encontrariam... que ele iria só levar o carro. E as deixou ali, sob meus olhos.
Depois disso, todos souberam que o namoro continuava e nos deixaram em paz. Namoramos mais um tempo até que houve um rápido e definitivo adeus. Soube, há alguns anos, que ele faleceu, ainda jovem...
Durante muito tempo, pouco vi as meninas... mas nunca as esqueci, nem elas a mim... Hoje são mulheres, belas mulheres... sinto um carinho especial por elas... como se, num momento muito importante, meus olhos e mãos foram chamados para protegê-las. E eu obedeci.
Alguém duvida da existência de milagres?
A estas meninas/mulheres, todo meu carinho...
Eliana Maciel



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