domingo, 30 de outubro de 2011

FRAGMENTOS DE LEITURAS

A pedido de uma grande amiga, organizei fragmentos de livros que li e que abordam os livros e a leitura. Diferentes autores, muitas épocas e estilos... comum a todos: a paixão pela leitura. Espero que gostem.

“Amo os livros. E não é de fato divertido que pequenos sinais escuros sobre um papel possam ser tão interessantes? Folhas de papel com minúsculos símbolos pretos, e temos uma história.” Virgínia Axline
“Um livro não é um chumaço de papel; um livro é um cérebro, uma pessoa, várias pessoas, a nossa sociedade, a própria civilização.”Irving Wallace
“Os verdadeiros analfabetos são os que aprenderam a ler e não leem.” Mário Quintana
“A escrita é uma longa introspecção, é uma viagem às cavernas mais escuras da consciência, uma lenta meditação. Escrevo tateando o silêncio e pelo caminho descubro partículas de verdade, cristaizinhos que cabem na palma da mão e justificam minha passagem por esse mundo.” Isabel Allende
“O homem constrói casas porque está vivo, mas escreve livros porque se sabe mortal. Ele vive em grupo porque é gregário, mas lê porque se sabe só.” Daniel Pennac
“ - (...) Alguns livros você só lê se for obrigado. Essa é a beleza de uma educação formal. Ela faz você ler um monte de coisas às quais você normalmente jamais daria atenção.
  - E isso é bom?
 - No fim das contas, é bom, sim.” David Gilmour
“(...) a virtude paradoxal da leitura é nos abstrair do mundo para lhe emprestar um sentido.” Daniel Pennac
“Uma leitura bem levada nos salva de tudo, inclusive de nós mesmos.” Daniel Pennac
“Uma criança que se torna leitor (...) alcançou o estágio do homem que aprendeu a pescar.” Luzia de Maria
“Ser culto é o único modo de ser livre.”José Marti
A leitura é uma experiência. Ler sobre uma tempestade não é o mesmo que estar em uma tempestade, mas ambos são ambos são experiências. Respondemos emocionalmente a ambos e podemos aprender com ambos.”Luzia de Maria
“Os prazeres da leitura são múltiplos. Lemos para saber, para compreender, para refletir. Lemos também pela beleza da linguagem, para nossa emoção, para nossa perturbação. Lemos para compartilhar. Lemos para sonhar e para aprender a sonhar.” José Morais
“Por mais que os leitores se apropriem de um livro, no final, livro e leitor tornam-se uma só coisa. O mundo, que é um livro, é devorado por um leitor, que é uma letra no texto do mundo; assim, cria-se uma metáfora circular para a infinitude da leitura. Somos o que lemos (...). Esse é o motivo por que (...) nenhuma leitura pode ser definitiva.”José Morais
“O ato de ler estabelece uma relação íntima, física, da qual todos os sentidos participam: os olhos colhendo as palavras na página, os ouvidos ecoando os sons que estão sendo lidos, o nariz inalando o cheiro familiar de papel, cola, tinta, papelão ou couro, o tato acariciando a página áspera ou suave, a encadernação macia ou dura, às vezes até mesmo o paladar, quando os dedos do leitor são umedecidos na língua...” Alberto Manguel
“Aqueles que podem ler veem duas vezes melhor”. Menandro (séc. IV a.C.)
“Tenho sonhado às vezes que, quando chegar o Dia do Juízo e os grandes conquistadores, advogados e estadistas forem receber suas recompensar – suas coroas, lauréis, nomes gravados indelevelmente, em mármore imperecível -, o Todo-Poderoso irá se voltar para Pedro e dirá, não sem uma certa inveja quando nos vir chegando com nossos livros embaixo do braço: Veja, esses não precisam de recompensa. Não temos nada para lhes dar. Eles amaram a leitura.’” Richard de Bury
“Todo leitor é um andarilho em descanso ou um viajante de retorno.” Alberto Manguel
“Os que leem, os que nos contam o que lêem,
Os que ruidosamente viram as páginas de seus livros,
Os que detêm o poder sobre a tinta vermelha e preta e sobre as imagens,
São eles que nos conduzem, que nos guiam, que nos mostram o caminho.”
Códice asteca de 1524, Biblioteca Vaticana.

“Ler é, em última instância, não só uma ponte para a tomada de consciência, mas também um modo de existir no qual o indivíduo compreende e interpreta a expressão registrada pela escrita e passa a compreender-se no mundo.” Ezequiel Theodoro da Silva

“A leitura é sempre apropriação, invenção, produção de significados. Segundo a bela imagem de Michel de Certeau, o leitor é um caçador que percorre terras alheias (...)." Roger Chartier









domingo, 16 de outubro de 2011

UM MENINO E SEU SONHO

Era um menino de uns onze anos. Cabelos loiros. Olhos e espírito inquietos. Percorria os espaços de brincadeiras e jogos, naqueles finais dos anos 60, com desenvoltura e liberdade. Na rua, era um moleque como os outros. Em casa, era quase difícil: arrumava formas sempre novas de zombar das irmãs, lia em voz alta (em tom de deboche) as cartas que o pai, enamorado, escrevera para a mãe, se recusava a fazer tarefas e trabalhos escolares, fugia dos castigos...
Havia nesse menino, porém, uma ternura insuspeita: amava os animais. O quintal da pequena casa onde morava com seus pais e irmãs já recebera galinhas (e um galinheiro inteiro!), codornas, coelhos, patos, passarinhos, gato e cachorro. O menino rebelde era doce e suave no cuidado com os animais.
Um período do ano, em especial, o transformava: vésperas do Dia de São Benedito. Em homenagem ao santo, a Cavalaria de São Benedito desfilava por toda a cidade: um grande cortejo de cavalos e cavaleiros. Nos dias anteriores à festa, cavalos eram trazidos dos sítios e fazendas vizinhos e, amarrados nos postes e portões, eram lavados, escovados, cuidados, tratados até estarem prontos a compor o cortejo.
O menino vibrava: se oferecia para escovar os cavalos, recolhia água em baldes para dar-lhes de beber, auxiliava cavaleiros a posicionar arreios e rédeas... Por vezes, conseguia, com esses favores, a concessão de uma volta sobre os animais, tão queridos por ele.
Naquele ano, assim que a Cavalaria terminou de passar pela rua de sua casa, o menino tomou uma decisão: seria também um cavaleiro de São Benedito. Pergunta daqui, indaga dali, descobriu: precisaria de calça, camisa, sapato e quepe brancos. Uma taxa para receber a fita verde-amarela que usaria atravessada no peito – marca dos cavaleiros de São Benedito.
O menino pediu dinheiro ao pai que,  por conta dos escassos recursos da família, ou por querer ensinar alguma coisa ao filho, negou.
Dias depois, ouviram-se no quintal barulhos ininterruptos de serra e martelo trabalhando a madeira. Algumas tardes de trabalho e lá estava: uma caixa de engraxate, das mais bonitas que já se viu. A imagem do menino engraxando sapatos foi um tanto constrangedora. A família era pobre, mas engraxar sapatos na rua era atividade para pessoas ainda mais pobres, quase miseráveis, aqueles que precisavam que seus filhos trabalhassem para ajudar em casa. Mas, o menino queria o dinheiro para ser cavaleiro... e foi engraxar sapatos. Durante um ano inteiro, lá foi ele... caixa nas costas, para a praça principal da cidade, em busca de sapatos para lustrar. Ao final do dia, depositava os trocados num envelope, que guardava sob as roupas na gaveta da cômoda.
Comprou a calça branca, o quepe e os tênis.  A camisa, a mãe costurou, a partir do tecido que ele também comprou. Semanas antes da festa, pagou a taxa e recebeu as fitas de cavaleiro de São Benedito. O cavalo emprestou do tio... um belo e alto alazão, não muito manso.
No dia da cavalaria, não havia menino mais belo que ele... Empertigado sobre o cavalo, orgulhoso de ter conseguido, com seu próprio esforço, desfilar, uniformizado, por toda a cidade.
Nem vamos mencionar o cansaço que tomou conta dele depois da cavalaria e a promessa de que nunca mais seria um cavaleiro.
Vamos mencionar o quanto eu, sua irmã (então) caçula, admirei aquele menino com ares de homem, sobre o cavalo. Admirei-o e aprendi que todo trabalho é digno e que podemos ser o que sonhamos.
Eliana Maciel

domingo, 2 de outubro de 2011

Vinte anos, segredos e milagres

Eu estava com 20 ou 21 anos. Namorava um moço que conheci num baile de Carnaval. Ele era belo: moreno, alto, bem magro, bigodes sedosos e olhar profundo. O sorriso não era comum, mas, quando surgia, iluminava um rosto levemente marcado pela tristeza.  Nós nos dávamos bem: ele era gentil e tranquilo. Aos poucos, o apresentei à minha família, e todos gostavam dele. Minha mãe, especialmente.
Este “príncipe”, porém, tinha um “defeito” (aqueles tempos...): era separado, com duas filhas pequenas. Quando minha mãe soube, ficou muito brava. Toda a conversa de “moço bom” foi por água abaixo. Proibiu-me o namoro. Ah!... quando temos 20 anos! Nada pode nos deixar mais apaixonados que um amor proibido. Encontrávamo-nos aos finais de semana, quase às escondidas. Fiz boa amizade com suas pequenas meninas. Chegamos a viajar juntos, e eu gostava de cuidar delas... e sentia que elas gostavam de estar comigo.
No começo de uma noite de sábado, eu o aguardava... havíamos combinado: ele traria as filhas e me telefonaria, dizendo o local onde nos encontraríamos. Era verão e uma tempestade estava terminando... Eu aguardava a ligação na varanda de casa, observando os pingos do final da chuva e a movimentação da rua. Em frente à casa, a ladeira da Rua Vigário Martiniano estava às escuras... efeito da tempestade. Em um momento, olhei no alto da ladeira e vi um carro - o farol muito alto - parar por um momento, e depois descer a rua, a toda velocidade. Reconheci o carro do meu namorado e não entendi... por que ele não havia ligado? Por que aquela reação intempestiva? Não combinava com o que conhecia dele...
Poucos minutos depois, as vi... as meninas... descendo a ladeira escura, sob a chuva, de mãos dadas, chorando. Nem pensei em entender... desci as escadas, abri a porta, atravessei a rua e fui ampará-las. Elas não conseguiam dizer o que havia acontecido, tanto choravam. Levei-as para casa e, ajudada por minha mãe, oferecemos água com açúcar e carinho para elas. O pai delas ligou. Eu não podia dizer nada, somente que as meninas estavam ali comigo, como por milagre. Ele tomou um táxi e chegou em casa em poucos minutos.
A situação foi esclarecida: ele havia parado na Rodoviária para ligar para mim (tempos sem celular!), deixou as meninas no carro e se esqueceu de tirar as chaves do contato. Em um segundo,  um homem adentrou o carro e o levou... junto com as meninas. Elas contaram que começaram a chorar, chamando pelo pai... e o tal homem disse que logo, logo, elas o encontrariam... que ele iria só levar o carro. E as deixou ali, sob meus olhos.
Depois disso, todos souberam que o namoro continuava e nos deixaram em paz. Namoramos mais um tempo até que houve um rápido e definitivo adeus. Soube, há alguns anos, que ele faleceu, ainda jovem...
Durante muito tempo, pouco vi as meninas... mas nunca as esqueci, nem elas a mim... Hoje são mulheres, belas mulheres... sinto um carinho especial por elas... como se, num momento muito importante, meus olhos e mãos foram chamados para protegê-las. E eu obedeci.
Alguém duvida da existência de milagres?
A estas meninas/mulheres, todo meu carinho...
Eliana Maciel



Licença-prêmio e o Grande Sertão

Terminaram os quinze dias de licença-prêmio que havia tirado... Amanhã volto ao trabalho em período integral. O que fiz nestes dias quinze dias? Os planos eram muitos, mas, logo, logo, deixei tudo para lá e procurei somente “estar”. Viver o que o momento traz... óbvio que precisei continuar os outros trabalhos, o cuidado comigo, com os filhos e com a casa...  fora isso... vi filmes e li... muitos livros.
Costumo fazer uma brincadeira: conto aos amigos que, quando eu nasci, meus pais não sabiam que nome me dariam e resolveram esperar para ver o nome brotar... Quando comecei a ler, eles souberam o nome que me dariam...  eu pegava um livro e lia... e lia na sala, e lia na cama, e lia na poltrona, e lia na rede... e lia na... Eliana.
A leitura é um dos fortes fios condutores da minha vida. Nestes dias de (quase) descanso, recorri à ampla biblioteca do meu amor... trouxe de lá uma alta pilha de livros, que dispus em meu criado-mudo e vibro à medida em que vejo a pilha se reduzir ao ritmo da minha leitura encantada.
Aos poucos, comentarei as obras que li. A primeira provocou-me especial alegria: trata-se de uma edição especial em comemoração aos 50 anos de publicação de Grande Sertão: Veredas, do maravilhoso Guimarães Rosa. O livro em si já havia lido e relido, à época do Curso de Letras... este, agora, descreve, com palavras e fotos, a instalação homônima ao livro concebida por Bia Lessa para a inauguração do Museu da Língua Portuguesa, em março de 2006. A concepção da instalação, os caminhos percorridos pelos visitantes, as folhas dos originais do Grande Sertão, revelando o esmero de Guimarães Rosa com seu texto... o sertão visto, ouvido, saboreado, sentido... mais que a instalação, o pequeno livro trouxe de volta o mundo mítico do nosso universal Grande Sertão:Veredas.
Para vocês, alguns fragmentos, citados no livro.
“Diadorim é a minha neblina...”
“Relembro Diadorim. Minha mulher que não me ouça. Moço: toda saudade é uma espécie de velhice.”
“Riobaldo, a colheita é comum, mas o capinar é sozinho...”
“Despedir dá febre.”
“(...) no viver tudo cabe.”
“Viver... O senhor já sabe: viver é etcétera...”
“Homem foi feito para o sozinho?”
“A liberdade é assim, movimentação.”
“A gente só sabe bem aquilo que não entende.”
“O senhor sabe o que o silêncio é? É a gente mesmo, demais.”
“Qualquer amor já é um pouquinho de saúde, um descanso na loucura.”
“Viver é um descuido prosseguido.”
“Vivendo, se aprende; mas o que se aprende, mais, é só a fazer outras maiores perguntas.”
- “Sorte é isto. Merecer e ter...”
“Cada hora, de cada dia, a gente aprende uma qualidade nova de medo!”
“Somente com alegria é que a gente realiza bem – mesmo até as tristes ações.”
“Perto de muita água, tudo é feliz.”
“O senhor... Mire veja: o mais importante e bonito, do mundo, é isto:               que as pessoas não estão sempre iguais, ainda não foram terminadas – mas que elas vão sempre mudando. Afinam ou desafinam. Verdade maior. É o que a vida me ensinou. Isso que me alegra, montão.”