Do livro autobiográfico "Navegação de Cabotagem", de Jorge Amado, extraí este pequeno texto, que considero uma pérola. A diferença entre conhecer uma realidade e ser tocado por ela, verdadeiramente. Espero que apreciem.
" (Paris, 1948 - o número)
Paris, casa de Picasso, em torno à mesa de jantar, somos uns poucos na tentativa de convencê-lo a comparecer ao Congresso de Intelectuais pela Paz que se vai reunir em Wroclaw, na Polônia: Louis Aragon, Alexandre Korneichuk, Pierre Gamara, Emílio Sereni e a cineasta polonesa Wanda Jacubowska, cujo filme de estreia triunfa nas salas de cinema. Wanda está sentada ao lado do pintor.
Picasso, intransigente na recusa, não irá, peçam-lhe outra coisa, pode doar um quadro, se preciso. Comparecer, jamais, perda de tempo, tem mais o que fazer, deve pintar. Gastaram-se todos os argumentos, caíram todos no vazio, terminamos por desistir, o Congresso não contará com a estrela de Guernica. Queijos e vinhos, comenta-se o filme de Wanda Jacubowska.
Picasso demora o olhar no braço da cineasta, vê o número gravado, pergunta de que se trata.
- Meu número no campo de concentração onde estive durante a guerra.
Picasso passa de leve a ponta dos dedos no braço da moça de Varsóvia, olha para nós, dirige-se a Aragon:
- Eu vou, podem contar comigo.
Foi e fez discurso, esteve o tempo todo. Depois desenhou, para outros congressos, a paloma signo da paz. Tocara com os dedos a desgraça da guerra, o terror."
Jorge Amado
Lindo Eliana, mostrei o texto para Aga que se emocionou.Obrigado!!!
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