Ontem foi aniversário da tia Anna. Oitenta e oito anos. Tia Anna é a matriarca da família. Já viu mortos seus pais, seu marido e sete dos oito irmãos. Trabalhou como professora e diretora de escola por muitos e muitos anos. Mesmo com a idade que tem, é uma mulher atuante, livre e atualizadíssima. Preserva a alegria, a lucidez e a suave compreensão por tudo que é, no homem, humano. Essa tia é uma delícia. É seu dom agregar pessoas. Ontem, uniu os familiares em seu sítio, o mesmo chão que abrigou a fazenda de minha avó Emma, desde que chegou da Áustria.
Apreciamos delicioso almoço ao lado da grande mangueira, fincada ali desde os tempos de minha avó. Ofereceu sombra, doou frutos, disponibilizou galhos firmes para os balanços de várias gerações. Ao lado da árvore, sentimo-nos todos ligados à mesma raiz frondosa das famílias Posch/Maciel. Tia Anna veio mesmo para unir. Como última filha do primeiro casamento de minha avó, nem conheceu o pai, Ricardo Posch, que faleceu quando ela era bebê. Minha avó casou-se então com meu avô, João Rodrigues Maciel, o João Mineiro. Meu avô foi o único pai que tia Anna conheceu. Cresceu sendo o elo entre os dois nomes: biologicamente Posch, foi criada como Maciel e assim seguiu toda a vida, buscando enlaçar os meio-irmãos. Como se não bastasse, sua filha caçula, Lúcia, se casou com um primo, Cláudio, um dos filhos do último filho de minha avó. A união deles exala amor verdadeiro. De novo, Posch e Maciel. Sem distinções.
Ao lado da mangueira e da graça da tia Anna, conversamos muito. Surpreendemo-nos com o olhar sempre doce do primo Celso, muitíssimo mais marcante que seus cabelos brancos. Falamos sobre a presença firme do primo Bertinho, admiramos a loirice da bisneta da Tia Anna, a voz mansa do primo Gilberto, como a voz do seu pai, o por todos querido tio Gustavo. Compartilhamos o riso fácil da prima Anna Cristina... Observamos fisionomias repetidas: a barba do primo Mauro como a do meu irmão Roberto. O andar da prima Cristina como o da minha irmã Luciana. Narizes parecidos, testas, cabelos, modos de falar... Ver o tio Leonel gesticular é como ter novamente meu pai diante dos olhos... Trocamos atualizações sobre os fazeres da nova geração: a menina que concluiu o curso de Direito, a prima jovem que inicia um novo caminho e que traz nos olhos a esperança e a certeza de estar no caminho certo, os filhos que são aviadores, administradores, dentistas, vestibulandos, universitários. As gerações todas se sucedendo, como manga amadurecendo nos galhos. Recordamos as palavras certeiras da tia Olga, as piadas da tia Helena, os olhos azuis intensos do tio Geno. Não houve lágrimas (ao menos não de tristeza). Houve apertos de mãos, abraços, palavras carinhosas. As antigas mágoas ficando para trás, dando lugar ao diálogo, à presença e à familiaridade. A terra não mais motivo de disputas, mas solo firme onde exercemos nosso parentesco.
Tia Anna – auxiliada pelo tempo - conseguiu.