domingo, 22 de maio de 2011

Bar, doce Lar

Quando eu era criança, havia um bar defronte à minha casa. Era um local lúgubre, sujo, frequentado por bêbados e indigentes. Vendiam somente caldo de cana e cachaça. Nenhuma pessoa “de família” entrava lá. Quando íamos comprar balas e doces no bar do seu Nenê, que ficava ao lado, sentíamos o cheiro saturado de madeira úmida saindo pelas portas duplas.
Lá pelos meus dez anos, surpreendi-me com a notícia: meu pai havia comprado aquele bar. Imaginei que fosse impossível mudar o lugar. Estava enganada. Em pouco tempo, o ambiente se transformou. Retiraram pilhas de entulho e lixo, lavaram, limparam... As mercadorias se diversificaram. Quase tudo de que uma família precisava estava ali: leite, pão, alguns produtos de mercearia, refrigerantes. Um dos balcões de madeira e vidro recebeu os doces para a meninada. Havia uma grande fatiadora de frios: mortadela, queijo prato, presunto de qualidade. Na estufa, sempre havia salgadinhos bem feitos: coxinhas, empadas, risoles. Minha mãe completava cozinhando salsichas no molho e ovos com casca colorida. Meu pai, todos os dias, ele mesmo, se encarregava de fazer um delicioso caldo de cana. Lembro-me do cuidado que tinha em raspar bem a cana para extrair toda a casca, em lavar o moinho e moer a cana, que era coada em pano branquinho, limpo por minha mãe. Resultado: garapa verde-claro, purinha, gelada na jarra e servida no copo, para freguês degustar. Nos fundos, havia uma grande mesa de bilhar. A pedido do meu pai, teci, em crochê, seis caçapas para aparar as bolas. Muitos rapazes jogavam bilhar, especialmente nos finais de semana, saboreando cerveja bem gelada.
Não havia almoço de domingo ou de feriado em que estivéssemos juntos... era sempre um almoçando e outro no bar, vendendo. Meu pai era rigoroso para atender sua freguesia.
O bar se tornou muito bem frequentado. As famílias podiam entrar. Nossa família também estava lá. O bar era a extensão da nossa casa: ali tomávamos o café da manhã, nos encontrávamos, conversávamos. Com este trabalho, das primeiras horas da manhã até quase meia-noite, meus pais nos proporcionaram nosso sustento e nossos estudos. Meu pai quis reformar nossa pequena casa. Mudamo-nos para a casa de nossa avó à espera do término da obra. E então ele, sem consultar ninguém, fez o impensável: colocou nossa casinha no chão. Nenhum tijolo sobrou. E construiu, em cinco anos de trabalho árduo, um prédio de três andares.
Sonhei noite passada com este bar antigo, que nos parecia feio e escuro, mas, que nos proporcionou, nas mãos de nosso pai e de nossa mãe, as oportunidades que temos agora. Trabalho digno, firme, constante. Como a presença deles em nossa vida.
Para concluir, empresto as palavras de Violeta Parra:
 Gracias a la vida que me ha dado tanto…”

Eliana Maciel

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