domingo, 3 de abril de 2011

VOO NUPCIAL – Fábio Tibúrcio
Ninguém começa a fazer poesia
quando começa a escrever poesia.
O processo de formação começa
antes, muito antes,
sem a gente saber, inclusive.
“Tragédia brasileira”
“Porquinho da Índia”
e “Momento num café”
foram minhas primeiras
experiências poéticas.
Eu lia como quem voava,
enquanto alguma coisa era lançada
para dentro de mim.
Eu estava sendo fecundado
e não sabia de nada.
A literatura é esse ato sem nenhum
método de prevenção concepcional.
Ainda que homem, ela te faz voar.
Ainda que homem, ela te faz gerar.
Poeticamente falando, perdi minha
virgindade aos vinte anos.
Foi com o Manuel Bandeira.

                        Para Manuel Bandeira

“Gostei do poema. Simples e direto, mas eficiente na sugestão (para quem lê na entrelinhas). É um poema metalinguístico, é óbvio. Fala de si, do próprio fazer poético. Mais: fala do sentir poético. Já li em algum livro de Teoria Literária (às vezes a desprezo!) que existe uma diferença entre “poema” e “poesia”. O primeiro seria o sentimento, o olhar, a “fisgada” emotiva que nos leva a escrever. O texto escrito seria a poesia. O “seu” poema fala disso, sem, entretanto, (Fábio é sábio) distinguir tão fisiologicamente as etapas. Ainda faz questão de anunciar os nomes de alguns poemas que o polinizaram. Poemas curtos, rápidos, até. Inusitados, com finais criativos e inesperados. Como e dele próprio, “Voo Nupcial”. Talvez tenha acontecido com ele, ao ler o poema, o que acontece conosco quando nos defrontamos com um texto perfeito: a sensação de que ele já existia dentro de nós e que o outro conseguiu transformar em palavras. Mais ou menos como diz Milton Nascimento: “certas canções que ouço/cabem tão dentro de mim/que perguntar carece/como não fui eu que fiz.” Fábio ainda se sente “voar” ao ler os poemas, verbo muito bem empregado. Não é assim que nos sentimos, quando imersos na leitura? Voar, viajar e, atualmente, navegar, são verbos que remetem ao prazer da leitura, aos momentos em que conseguimos nos abstrair da realidade para um mergulho de corpo e alma nas palavras. E vamos ao querido Fernando Pessoa: “Navegar é preciso/viver não é preciso.” Muito interessante a coragem do moço em assumir sua feminilidade ao dizer que foi fecundado, numa atitude passiva que remete, tradicionalmente, à figura feminina. Que foi gerado. É como mulher pássaro que ele se assume, grávido de poesia. E ainda diz quem foi o pai: Manuel Bandeira. “A literatura é esse ato sem nenhum método de prevenção concepcional.” Ele expande, não se restringe à poesia, mas fala da literatura e a associa ao ato sexual, resultado de um processo de sedução, aqui entre o autor/texto e leitor. Em princípio, cede sem perceber. Depois, em plena consciência da gravidez que surgirá. E, alisando a barrigona, dá à luz, solteiro, inteiro, ao poema “Voo Nupcial”. Gostei.”
Eliana Maciel

2 comentários:

  1. Eliana, adorei o texto do Fábio e muito certeiro seu comentário. Acho que vocês formam uma bela dupla pela simpatia na escolha dos temas cotidianos e simplicidade do estilo que torna os dois grandes escritores. Seu blog é uma delícia de ver e ler...
    Beijos - Thais

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