domingo, 27 de março de 2011

Sobre cabelos, bóbis e amor

Quem me conhece sabe: gosto dos meus cabelos crespos. Em uma família de mulheres com cabelos lisos,um pouco de minha identidade se formou pelas ondas dos meus bastos cabelos. “Uma das filhas da Dona Dina...” “Qual das três?” “A de cabelos crespos.” Passei quase incólume pelos longos tempos de escovas, chapinhas e outros processos de alisamento. Na formatura do meu filho mais velho, resolvi “arrumar” o cabelo. Muitos minutos de secador... e o espelho me revelou a estranha imagem: uma mistura de mim mesma e de minhas irmãs. Pedi à cabeleireira as ondas de volta. Ela atacou de “babyliss” e o resultado foi interessante. Foi o máximo que fiz.
Temo estragar os finos fios de minha cabeleira no calor excessivo dos secadores possantes. Temo que se habituem (inclusive eu mesma) à minha imagem de cabelos lisos. Temo me tornar dependente de cremes, escovas e pranchas. Temo tornar meus cabelos como muitos: alheios ao rosto, moldura barroca em pintura abstrata.
Mas, numa dessas noites em que se quer ficar deslumbrante para um encontro com o Amado, não houve jeito. O cabelo feito uma juba... Lavagem, condicionador, hidratação caseira e nada! Sem tempo e disposição para enfrentar a cadeira de um salão, lembrei-me da velha touca. Corri ao espelho... resgatei uma caixa de grampos  e deixei meus dedos fazerem o serviço. Cabelo todo para um lado, o pente ajudando, os grampos segurando os fios. Mesmo sem ter feito touca antes, minhas mãos sabiam... Os movimentos dos dedos levaram-me para outro quarto, da casa antiga da minha avó... eu menina olhando minhas tias defronte ao espelho... os cabelos puxados, os grampos abertos nos dentes e inseridos paralelos, contornando a cabeça. Um lenço para cobrir tudo.
No meu quarto, segui o mesmo ritual e me surpreendi com a sabedoria das minhas femininas mãos. As mãos das mulheres sempre pentearam cabelos – os seus próprios e os de outras mulheres. Mães pentearam filhas, irmãs cortaram cabelos umas das outras (com resultados nem sempre satisfatórios), filhas ajeitaram cabelos de mães idosas, doentes, moribundas, mortas. Por detrás do gesto estético, sempre residiu a proximidade, o afago, o aconchego.
As mulheres hoje vão ao salão de beleza... Não se veem mais mulheres de lenços, bóbis, papelotes. Elas se arrumam entre  paredes e se revelam ao mundo completamente prontas. Perfeitas. (Coisa que ninguém, na verdade, é.) As mulheres da minha infância, que saíam para as ruas no melhor estilo Dona Florinda (sim, eu já assisti ao Chaves), também eram amadas. Seus homens pareciam não se importar ao vê-las no processo de se tornarem mais belas. Hoje, fazemos toda questão de somente revelar aos homens o resultado, o produto... Será que pode residir aí um pouco da falta de paciência para conviver com os defeitos do outro? Não sei.
Depois da touca, gostei do que vi no espelho: meus cabelos assentados, sedosos e ainda cacheados. O Amado, devo dizer, nem notou a diferença. Disse que eu estava linda, como sempre. E, no final da noite, dedicamo-nos a coisa mais interessante e importante  que pentear cabelos: dedicamo-nos a despenteá-los.

A Afilhada que clica

Alguém tem um/a afilhado/a? Eu tenho uma. Seu nome é, poeticamente, Luíza. Quando soube que seria sua madrinha, chorei feito criança. E procurei acompanhar sua vida. Creio que ela sabe o quanto eu a amo. E o quanto pode contar comigo, se precisar ou se só quiser. É uma mocinha feliz. Cabelos negros, muito lisos, olhos suaves, riso fácil, temperamento dócil, meiga. E amorosa. E talentosa. Está estudando no Rio de Janeiro e demonstra, ainda bem nova - 19 anos! - grande talento para a fotografia. Gosta de clicar sensivelmente paisagens, objetos e pessoas. Prefere as fotos analógicas às digitais. Prefere tecer artesanalmente cada foto, jogando luzes e sombras como tem vontade.
Abaixo, o clic de uma Luíza ainda bebê. E o link para suas ótimas fotos: www.flickr.com/luizajunqueira


Meu pai

Vinte e sete de março. Meu pai faria hoje oitenta e um anos. Posso até imaginar como ele estaria, se tivesse sobrevivido àquela cirurgia do coração e aos demais problemas de saúde que poderia ter enfrentado, entre os sessenta e sete anos e o dia de hoje. Seria ainda um velhinho altivo, bem-humorado, afetuoso. Imagino-o a olhar meus filhos crescerem, a se orgulhar de ter netos tão belos e saudáveis.Imagino-o a vibrar com as nossas conquistas, a passear comigo no meu carro novo, a enxugar-me uma lágrima, a contar tantas vezes as mesmas piadas. Imagino-o em sua poltrona, dando chutes no ar para ajudar os jogadores do São Paulo a marcar um gol. Imagino suas mãos envelhecidas, pintadas de tempo e de vida. Grandes e calorosas mãos que tanto me embalaram. Imagino que teria ainda disposição para a compra do bacalhau para o almoço do aniversário. E que estaríamos rindo e brindando mais um dia juntos. Imagino  o quanto teria se alegrado ao se ver tantas vezes retratado em meu livro. Imagino-o doce, belo e amigo. Obrigada, meu pai. Sei que vive em mim.

Eliana Maciel

domingo, 20 de março de 2011

UM PEQUENO POEMA

COLETIVOS

As palavras são meu mundo
O caos e o cosmos
Do meu eu mais profundo

As ilhas são constelações marinhas
As estrelas, arquipélagos de luz
As borboletas são asas
de seda pura – panos
Panapaná de cores sobre os oceanos...



MENINA DOS OLHOS... NA UNESP

Muitos de meus amigos sabem que uma de minhas atividades profissionais é ser Orientadora de Disciplina/Tutora do Curso de Pedagogia (Semi-presencial) da UNESP/UNIVESP. Não irei, neste momento, falar dos amigos que fiz na sala de aula, dos quase cinquenta professores com quem compartilho um agradável e rico ambiente de aprendizagem. Deixarei este comentário para outra ocasião. Hoje quero falar sobre a Profa. Dra. Maévi, do Polo de São José do Rio Preto. É ela a autora que organiza as atuais disciplinas que estudamos, sobre Educação Infantil. Encontramo-nos na capacitação em São Paulo e ofereci a ela um exemplar de "Menina dos Olhos". Colei abaixo o comentário que me enviou, para compartilhar com vocês a alegria de que meu pequeno livro suscite tão boas emoções.

"Olá, Eliana! Seu livro é realmente muito bonito! Me emocionei a cada história contada por você. Me identifiquei com muitos momentos ali retratados. Uma leitura que farei ainda outras vezes, pois o seu livro me fez sentir muito bem... Me fez reviver sensações da infância, momento que gosto muito de me recordar.
Irei sim acrescentar o seu livro na bibliografia das disciplinas Casos de ensino na Educação Infantil e Teoria e prática da Educação Infantil que ministro aqui na UNESP/Rio Preto. Com isso, certamente a UNESP irá adquiri-lo para nossa biblioteca. O que será um ganho imenso para todos os nossos alunos! Farei esse acréscimo a partir do próximo semestre. Quando trabalhar com os textos - ainda irei selecioná-los - te escrevo contando as reações dos alunos. Se você me permitir, eu poderia inclusive pedir a eles que escrevessem comentários para você, que eu te enviaria por e-mail. Pode ser?
Grande abraço e muito obrigada por me presentear com um livro tão lindo... Maévi "

ESTOU LENDO...

Livros escritos por mulheres... sobre mulheres... para que mulheres leiam... são  livros assim que geralmente me aparecem. Agora, estou lendo "Nas tuas mãos", da jornalista portuguesa Inês Pedrosa. A mesma história contada por três mulheres: Jenny, Camila e Natália. Avó, mãe e filha. Recordações emocionais cercadas por acontecimentos políticos. Uma narrativa forte e afiada expondo uma surpreendente história familiar. Jenny não é a verdadeira mãe de Camila, mas a cria como se fosse... cuida dela em nome de um amor solitário e platônico... Histórias de doação extrema, como somente as mulheres sabem fazer...

Seguem alguns trechos:

"Mas a minha independente Natália, nascida para libertar as mulheres como eu do terrível jugo masculino, só descansará em paz quando alcançar a magreza de ossos das adolescentes olheirentas que agora fazem as vezes das estrelas de cinema nas revistas. Entristece-me vê-la perder a beleza sem dar por ela, marchando inconscientemente nas fileiras da indústria de morte que domina o mundo. Já não se fazem Marilyns Monroes a partir de Normas Jeans com ancas, barriga e seios. E não sei se será sensato pôr as culpas todas nos homens, querida Natália, porque talvez faça falta à libertação total de que vocês andam a tratar essa capacidade de amar a celulite, as lágrimas, as rugas e as ancas largas de uma mulher que só os homens parecem, apesar das campanhas contrárias, teimosamente manter."

“Dizem que o amor se faz de uma comunidade de interesses subterrâneos, restos de vozes, hábitos que nos ficam da infância como uma melodia sem letra, paixões pisadas na massa funda do tempo, mas nesses anos entre guerras os sentimentos explicados não interessavam a ninguém. O amor era então uma criação fulminante do tédio e da inocência, feito do carnal recorte da beleza, magnífico de crueldade.”

“A vida é uma infindável colecção de testemunhas: precisamos que nos observem, na vitória como no fracasso, precisamos que nos prestem atenção.”
E você? O que está lendo?

ESTOU LENDO...

Livros escritos por mulheres... sobre mulheres... para que mulheres leiam... são  livros assim que geralmente me aparecem. Agora, estou lendo "Nas tuas mãos", da jornalista portuguesa Inês Pedrosa. A mesma história contada por três mulheres: Jenny, Camila e Natália. Avó, mãe e filha. Recordações emocionais cercadas por acontecimentos políticos. Uma narrativa forte e afiada expondo uma surpreendente história familiar. Jenny não é a verdadeira mãe de Camila, mas a cria como se fosse... cuida dela em nome de um amor solitário e platônico... Histórias de doação extrema, como somente as mulheres sabem fazer...

Seguem alguns trechos:

"Mas a minha independente Natália, nascida para libertar as mulheres como eu do terrível jugo masculino, só descansará em paz quando alcançar a magreza de ossos das adolescentes olheirentas que agora fazem as vezes das estrelas de cinema nas revistas. Entristece-me vê-la perder a beleza sem dar por ela, marchando inconscientemente nas fileiras da indústria de morte que domina o mundo. Já não se fazem Marilyns Monroes a partir de Normas Jeans com ancas, barriga e seios. E não sei se será sensato pôr as culpas todas nos homens, querida Natália, porque talvez faça falta à libertação total de que vocês andam a tratar essa capacidade de amar a celulite, as lágrimas, as rugas e as ancas largas de uma mulher que só os homens parecem, apesar das campanhas contrárias, teimosamente manter."

“Dizem que o amor se faz de uma comunidade de interesses subterrâneos, restos de vozes, hábitos que nos ficam da infância como uma melodia sem letra, paixões pisadas na massa funda do tempo, mas nesses anos entre guerras os sentimentos explicados não interessavam a ninguém. O amor era então uma criação fulminante do tédio e da inocência, feito do carnal recorte da beleza, magnífico de crueldade.”“A vida é uma infindável colecção de testemunhas: precisamos que nos observem, na vitória como no fracasso, precisamos que nos prestem atenção.”
E você? O que está lendo?





terça-feira, 8 de março de 2011

A MULHER SELVAGEM

Oito de março. Dia da Mulher. Ofereço às mulheres que estão ligadas a este blog minha melhor leitura: o livro Mulheres que correm com os lobos, de Clarissa Pinkola Estés. Sei o quanto é difícil elegermos um livro como o melhor que lemos. Cada livro é uma experiência única e definitiva. Mas, há algum tempo, tenho dito que este livro é o melhor dos que já li. Sinto como se tivesse um encontro marcado com ele, durante toda a vida. E que, finalmente, li o que vivia, sentia, sofria, buscava...
A autora, analista junguiana e escritora norte-americana, é descendente de mexicanos e revela em sua escrita fortes traços da cultura ameríndia, principalmente no que se refere aos mitos, aos arquétipos e suas interpretações. Neste livro, seu primeiro, Clarissa nos brinda com uma bela teoria, a da Mulher Selvagem.
Assim ela começa:
“A fauna silvestre e a Mulher Selvagem são espécies em risco de extinção.
Observamos, ao longo dos séculos, a pilhagem, a redução do espaço e o esmagamento da natureza instintiva feminina. Durante longos períodos, ela foi mal gerida, à semelhança da fauna silvestre e das florestas virgens. Há alguns milênios, sempre que lhe viramos as costas, ela é relegada às regiões mais pobres da psique. As terras espirituais da Mulher Selvagem, durante o curso da história, foram saqueadas ou queimadas, com seus refúgios destruídos e seus ciclos naturais transformados à força em ritmos artificiais para agradar os outros.”
Clarissa afirma que as mulheres possuem uma natureza instintiva forte e perfeita, que elas abandonam em troca de (falsa) segurança e (pseudo) amor. Quando estamos em sintonia com esta nossa natureza, sabemos o que é bom para nós, cuidamos de nosso corpo, de nossa vida, de nossas crias, com energia e acerto, como fazem os lobos.
Assim:
“Os lobos saudáveis e as mulheres saudáveis têm certas características psíquicas em comum: percepção aguçada, espírito brincalhão e uma elevada capacidade para a devoção. Os lobos e as mulheres são gregários por natureza, curiosos, dotados de grande resistência e força. São profundamente intuitivos e têm grande preocupação para com seus filhotes, seu parceiro e sua matilha. Têm experiência em se adaptar a circunstâncias em constante mutação. Têm uma determinação feroz e extrema coragem.”
Em seiscentas e quatorze páginas, Clarissa conta histórias e nos convida ao  encontro com a Mulher Selvagem, a segurar suas mãos, a confiar e ter orgulho de suas decisões em nossa vida.
“E então, o que é a Mulher Selvagem? Do ponto de vista da psicologia arquetípica, bem como pela tradição das contadoras de histórias, ela é a alma feminina. No entanto, ela é mais do que isso. Ela é a origem do feminino. Ela é tudo o que for instintivo, tanto do mundo visível quando do oculto – ela é a base. (...)
Ela é a força da vida-morte-vida; é a incubadora. É a intuição, a vidência, é a que escuta com atenção e tem o coração leal. Ela estimula os humanos a continuarem a ser multilíngües: fluentes no linguajar dos sonhos, da paixão, da poesia. Ela sussurra em sonhos noturnos; ela deixa em seu rastro no terreno da alma da mulher um pêlo grosseiro e pegadas lamacentas. Esses sinais enchem as mulheres de vontade de encontrá-la, libertá-la e amá-la.
Ela é idéias, sentimentos, impulsos e recordações. Ela ficou perdida e esquecida por muito, muito tempo. Ela é a fonte, a luz, a noite, a treva e o amanhecer. Ela é o cheiro da lama boa e a perna traseira da raposa. Os pássaros que nos contam segredos pertencem a ela. Ela é a voz que diz, “Por aqui, por aqui.”
Ela é quem se enfurece diante da injustiça. Ela é a que gira como uma roda enorme. É a criadora dos ciclos. É à procura dela que saímos de casa. É à procura dela que voltamos para casa. Ela é tudo que nos mantém vivas quando achamos que chegamos ao fim. (...) Ela é a mente que nos concebe; nós somos os seus pensamentos.
(...) Onde se pode encontrá-la? Ela caminha pelos desertos, bosques, oceanos, cidades, nos subúrbios e nos castelos. Ela vive entre rainhas, entre camponesas, na sala de reuniões, na fábrica, no presídio, na montanha da solidão. Ela vive no gueto, na universidade e nas ruas. Ela deixa pegadas para que possamos medir nosso tamanho. Ela deixa pegadas onde quer que haja uma única mulher que seja solo fértil.”
Que nós mulheres sejamos, hoje e em todos os dias, solo fértil para o encontro com a Mulher Selvagem.
Com carinho.
Eliana Maciel