domingo, 27 de fevereiro de 2011

ACABEI DE LER...

Terminei a leitura do eletrizante "A Mulher de Pilatos", de Antoinette May. Utilizei o adjetivo "eletrizante" motivada pelo sentimento que o livro provoca. O texto ágil, repleto de acontecimentos históricos marcantes nos convida a devorar as palavras. Difícil é parar. Muito difícil. Bem o disse a amiga e colega Ana Flávia, quem me emprestou o livro.
Trata-se da história de Cláudia Prócula e de sua vida de esposa do líder romano. Narrado em primeira pessoa, leva o leitor aos bastidores do Império e aos acontecimentos que antecederam a crucificação de Jesus. Não pensem que se trata de uma obra religiosa. Observa-se, inclusive, ousadia da autora em interpretar de forma bastante livre episódios da vida de Cristo. Leitura fácil, para aqueles dias em que se quer mergulhar em outro mundo... A leitura sabe bem fazer isso...




domingo, 20 de fevereiro de 2011

ENTREVISTA – JORNAL O LINCE

            Quando e como se deu sua iniciação à literatura?
Os primeiros contatos com a literatura, como leitora, ainda na infância, me revelaram o prazer que os textos proporcionam. Desde então, a literatura faz parte do meu cotidiano. Em todos os períodos da minha vida estive lendo. E me encantando com narrativas e modos de escrevê-las.
Quais suas principais influências literárias? O que absorveu delas?
Os autores que conduzem o leitor a um mergulho nas histórias sempre me fascinaram. Ainda antes de qualquer debate sobre o valor literário de uma obra, creio ser necessário observar se ela realmente fisga o leitor. É isso que faz, inicialmente, a qualidade da obra literária.
Sempre admirei Érico Veríssimo por sua escrita clara, sua capacidade de levar o leitor ao local dos fatos narrados. Ao descobrir Érico Veríssimo, na adolescência, não pude evitar: devorei toda a sua obra.
Leitora mais amadurecida, encantei-me pelos autores que subvertem as normas da linguagem. Dentre eles, o nosso Guimarães Rosa, o lusitano José Saramago e o moçambicano Mia Couto. São autores que, além da preocupação em contar boas histórias, trabalham para que a forma seja adequada ao conteúdo. Eles rompem padrões e, por isso, são mestres.
Não sei se posso dizer que absorvi algo da literatura. Posso, sim, dizer que fui, durante toda a vida, absorvida por ela.
"Menina dos Olhos" é um livro para quem? De onde vem o título?
“Menina dos Olhos” é um livro para pessoas de diferentes idades. Traz, com sutileza, descrição emotiva de situações pelas quais a menina passa e que vão abrindo brechas na infância para a sua entrada no mundo dos adultos. É, de certa forma, a história do desencanto, necessário para que nos tornemos gente grande. "Menina dos Olhos" deixa para o leitor a tarefa de adentrar um universo sinestésico, feito de frases curtas, de imagens, de mistura entre pensamentos e diálogos.
O título vem da vontade de que o leitor se sinta no lugar da menina, que visualize o mundo à sua volta, que seja ele a sua pupila, a menina-do-olho da menina.
O que o leitor encontrará no livro?
Ao leitor cabe sempre o papel final e mais importante: recriar o texto. O que ele irá encontrar dependerá de sua história de vida, de seu contexto histórico e social, de suas experiências na própria infância e na leitura de outros textos, similares ou diversos.
Hipoteticamente, o leitor poderá encontrar a si mesmo, a sua infância e a infância das pessoas que ama. Gostaria que o leitor encontrasse o prazer em estar, por algumas horas, imerso nas histórias, descansando do mundo, para voltar a ele, quem sabe?- renovado.
Seu livro trata de temas ligados à infância. É uma autobiografia?
A linha que divide a ficção da não-ficção é muito tênue. Mesmo que queiramos escrever sobre fatos concretos, nossa memória, nossa visão de mundo nos trai, e acabamos – ainda bem! – recorrendo à ficção. Em “Menina dos Olhos” há muito da menina que fui.
Há um propósito pedagógico quando você traz ao leitor o universo da meninice?
Tenho muitas dúvidas sobre a necessidade de que a literatura assuma propósitos pedagógicos, de que esteja a serviço de alguma causa. A arte, de maneira geral, e a literatura, especialmente, poderiam se concentrar no propósito de auxiliar as pessoas a adentrar outros universos e vislumbrar novas possibilidades de vida.
Sem intencionalidade enquanto escrevia, observo, na leitura dos contos de “Menina dos Olhos”, a delicada relação entre a criança e o mundo adulto. Talvez possa servir para refletirmos sobre a forma como as crianças interpretam nossos discursos e gestos e nos mostre que precisamos, para educá-las, muito mais ouvi-las que falar com elas. Por certo, outros leitores encontrarão nos textos outros propósitos pedagógicos, principalmente se forem também educadores.  
Quem é Eliana Maciel enquanto escritora?
Não sinto em mim a existência de uma personalidade paralela de escritora. Sou, ao         escrever,    muito parecida com o que sou como mulher, mãe, profissional, filha, irmã, cidadã: sensível e observadora, alegre quase sempre, intensa nas atividades que assumo, ciente das possibilidades e das limitações do nosso tempo.
Lançar o primeiro livro agora e não antes. Por quê?
Talvez agora, com a maturidade, sinta-me com mais coragem para me revelar às pessoas. Talvez tenha adquirido, junto com a visão que começa a perder a capacidade de enxergar detalhes, a sensibilidade de buscar o que é essencial. A família é essencial. A infância também. A escrita, a leitura. Os amigos. Mas, o mais certo mesmo é que chegou o momento. Por que não depois?
Ter sua primeira sessão de autógrafos na 21a. Bienal Internacional do Livro de São Paulo. Como foi a experiência?
Quando a Editora Scortecci me acenou com a possibilidade de lançar o livro na Bienal do Livro de São Paulo, aceitei de pronto. Sob diferentes ângulos, foi uma ótima experiência.  Imaginava que lançar um livro em São Paulo, ainda mais na Bienal, fosse o fim de um longo caminho a percorrer. Ao contrário, tive a oportunidade de começar dali. Foi uma experiência marcante estar entre autores consagrados da literatura brasileira e de outros países. A Bienal é uma prova de que a literatura vive e de que nossos jovens estão lendo.
Superando todas as minhas expectativas – e até as da Editora - tive um bom público. Pude contar com a presença amorosa de familiares e amigos que percorreram muitos quilômetros para compartilhar da minha alegria. Recebi dessas pessoas um presente inestimável.
Daqui para frente, como escritora, há planos?
Sim, há planos. Estou em fase de conclusão de um trabalho sobre leitura que, provavelmente, se tornará um livro de não-ficção. Há também um projeto iniciado sobre um romance, contando a bela história de uma imigrante austríaca no início do século passado. Há também algumas crônicas. Há também...

LEVE

Meu coração é leve, meu bem,
como as bolhas da água gasosa
subindo à superfície do copo.
Meu coração é leve
como a espuma da banheira:
excessos esvoaçantes
do meu corpo submerso.
Meu coração é a folha
que escapa da árvore outonal,
o aroma do vinho suave,
o primeiro acorde da música
que mais conhecemos.
Meu coração é leve como a voz do bem-te-vi
na janela do seu quarto.
O sino ouvido ao longe
O beijo de olhos fechados.
Meu coração, leve brisa
de fim de tarde...
As palmas das mãos unidas,
o cheiro doce da sua pele perfumada.
Meu coração é leve... Leve.


segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

MARINA E AFFONSO

Na FLIP (Festa Literária de Paraty) de 2009, conheci pessoalmente estes dois, que aparecem na foto comigo: Marina Colasanti e seu companheiro, Affonso Romano de Sant'anna. São grandes escritores, além de pessoas interessantes, cultas, humanas e muito acessíveis.
Ela nasceu em Asmara, então colônia italiana, e veio viver no Brasil quando criança. Escreve contos, crônicas, poemas, romances... todos com a marca da simplicidade e da sensibilidade. Sempre elege como tema central a mulher e seu papel no mundo. Uma literatura reflexiva e apaixonante. Segue um link para um de seus contos de que mais gosto: A moça tecelã, do livro homônimo.
Affonso Romano nasceu em Belo Horizonte e se tornou um intelectual em várias áreas: é poeta, cronista, ensaísta, professor, administrador cultural, jornalista. Está sempre engajado aos movimentos literários de vanguarda. Seguem ainda alguns links: http://www.astormentas.com/poemas.aspx?t=autor&id=Affonso+Romano+de+Sant%27Anna; http://www.astormentas.com/din/poemas.asp?autor=Marina+Colasanti

domingo, 6 de fevereiro de 2011

Crônica de um grande amor

                        Quando o conheci, eu mal havia saído da infância. Tinha doze anos e estudava no Colégio Industrial, na Praça. Organizaram uma excursão. Saímos bem cedo, ainda antes de o Sol nascer. Um ônibus lotado de adolescentes querendo viver... Não me lembro da viagem, do percurso. Só me recordo de algumas imagens, poucas e saborosas. O Jardim Zoológico. O Pão-de-Açúcar. Na Quinta da Boa Vista... cascos de tartarugas enormes e – oh! – uma legítima múmia egípcia! Ali, num vasto gramado, estendemos nossas toalhas e compartilhamos sanduíches, salgadinhos, pedaços de torta de frango que as mães haviam preparado. Depois, a praia. Ipanema, acho. Ao vislumbrarmos o belo mar, arregaçamos as calças jeans, arrancamos tênis e meias e corremos pela areia para, ao menos, molhar os pés cansados.
                        Foi só. Aí, o tempo se encarregou de sua leve tarefa: passar. E passou depressa. Na boca e nos olhos, a sensação de ter experimentado pouco.
                        Há alguns anos, um homem com quem iniciava um romance me propôs (lembro-me bem, estávamos ao telefone): pense num lugar do Brasil que queira conhecer que eu a levarei. Antes que terminasse a frase, eu já sabia. Mas, precavida, fui, por alguns dias, pensando e sentindo... Sem medo de errar, respondi ao gentil homem: Rio de Janeiro. Ele vibrou com a escolha. Era fácil, conhecia muito a cidade.
                        Por um bom período, percorremos os caminhos do Rio de Janeiro. Conheci, inclusive, a bela Búzios e suas ruas de pedra. As praias limpas, emolduradas por uma brisa leve. A estátua de Bardot constantemente apreciando o pôr-do-sol à beira-mar.
                        Também fui a Petrópolis e toda a região serrana, hoje bem destruída pelas (por vezes) cruéis chuvas de janeiro. Para além das belezas históricas sempre visitadas pelos turistas, a paisagem soberba e simples me revelou um lugar inesquecível: o Hortomercado Municipal, em Itaipava. Ali desejei viver, somente para, a cada manhã, pegar uma sacola e uma bicicleta e fazer compras no mercado. Produtos frescos da terra, esteticamente exibidos. Pessoas boas, dedicadas a plantar, colher e oferecer seus frutos. Êxtase para olhos, ouvidos, tato, olfato e paladar.
                       Conheci a singela Ilha de Paquetá e o percurso exuberante para chegar até ela: a barca que passa sob a Ponte Rio-Niterói e exibe o recorte da Cidade Maravilhosa. Sob o mar e o céu, entre a ventania, a cidade mais bela, se distanciando e, depois, se aproximando.
                        Estive também na Restinga da Marambaia, em Pedra e Barra de Guaratiba. Tomei banho de mar na Prainha e não tive coragem de comer os caranguejos – apreciado por quase todos.
                        Por dois anos seguidos, passei meu aniversário no Rio de Janeiro. No Pão-de-Açúcar. No Corcovado. Saímos de Guará debaixo de uma chuva forte e intermitente. Não havia sinal de que o tempo melhorasse. Chegamos ao Rio e ainda chovia. No Jardim Botânico, aos poucos, fomos reconhecendo o Cristo entre as nuvens... E assistimos a um belo pôr-do-sol do alto do Corcovado, com direito a céu azul, inclusive. Nessas ocasiões, meus filhos estavam comigo, o que tornou os momentos ainda mais marcantes. Aniversários assim...
                        Também conheci Copacabana: o bairro, a praia e o Forte, revi Ipanema, visitei o Leblon. Botafogo, a Lagoa, Flamengo, o metrô de paredes de pedras.
                        Mas, para mim, a beleza maior do Rio de Janeiro vi no centro histórico. Fui até a Cinelândia de metrô e cheguei às lágrimas quando subia a escada rolante. Senti-me um viajante do tempo, ao me enxergar naquele grande largo, cercado de construções suntuosas – a Biblioteca Nacional, o Teatro Municipal, a Câmara dos Vereadores... Surpreendi-me que pessoas pudessem passar por ali cotidianamente sem olhar para o alto, sem estar boquiabertas, como eu estava.
                        Fui a Santa Tereza de bondinho... sobre os audaciosos Arcos da Lapa, à Praça Quinze, ao Paço, ao Arco do Teles, à estupenda Igreja de Nossa Senhora do Carmo, ao Chafariz de Mestre Valentim, à surpreendente Igreja de Santo Antonio, no Largo da Carioca... Percorremos ruas e ruas do centro histórico. Uma vez, nos perdemos ali, sob uma garoa quente, durante uma tarde. Ensopados, nem queríamos encontrar o caminho do hotel. Éramos abordados a cada esquina por vendedores de guarda-chuvas e recusávamos... Entramos e saímos de ruas – do Lavradio, da Carioca, da Quitanda, do Carmo, da Alfândega, do Rosário e tantas outras... – que revelam, a olhos que querem ver, a beleza esplendorosa da cidade que foi a capital do Brasil. Sobre a Rua do Ouvidor, li, por estes dias, que, ao percorrê-la, tinha-se a impressão de se estar “num pedaço de Londres sob os céus do Egito, algo à moda oriental.” (Max Leclerc, 1889).  Era um dobrar de esquina para admirar um monumento alto, rico; outro, para adentrar uma igreja que guardava uma capela repleta de velas acesas; um prédio centenário; relógios nas paredes que pareciam dizer as horas de outros séculos. Um vislumbre. Paramos para um café na famosa Confeitaria Colombo e chegou aos meus ouvidos a saudosa voz desafinada do meu pai, cantando: “o velho/na porta da Colombo/era um assombro/sassaricando...” Quase esbarrei em Machado de Assis, na Bertoleza e no João Romão do Aluísio de Azevedo, no Leonardo Pataca, do Manuel Antônio de Almeida. Eles continuam lá.
        Perder-me naquelas ruas foi uma das melhores experiências que tive na vida. Naquelas ruas, senti-me cercada pelo passado, admirável no que tem de bom ou ruim. Senti que compreendia um tanto mais a alma carioca e, dentro dela, a alma brasileira, a minha própria alma. Todas as vezes em que vejo o Rio de Janeiro a sensação é estranha, é como se, de dentro de mim, uma voz sempre dissesse: “o que você está fazendo aqui... por que não está lá?”
     O amor ao homem foi infinito enquanto durou... O amor ao Rio de Janeiro... parece-me que será infinito enquanto eu durar.

Eliana Maciel

Samba do Avião - Tom Jobim