sábado, 24 de dezembro de 2011

Sobre 'strudel', família e amor

Minha avó paterna nasceu na Áustria. Veio para o Brasil em 1912, aos 23 anos. Seus pais a enviaram para que sondasse se valia a pena toda a família vir também. E ela veio, a bordo do navio “Marta Washington”. Sozinha.
Os familiares mais velhos se lembram de ouvi-la contar, num forte sotaque alemão, que, no navio, comera uma fruta então por ela desconhecida: a banana. Minha avó nem sabia como descascar a fruta perfumada... pediu que a ensinassem e, depois da primeira mordida, julgou que a fruta, tão saborosa, só podia ser muito rara. Não teve dúvidas: fechou o que sobrara da banana dentro da casca fendida para saborear aos poucos, mais tarde. Qual não deve ter sido sua surpresa quando chegou ao Brasil e viu cachos e cachos de bananas nas feiras, mercados, quitandas, fruteiras...
Tradição culinária originária da Áustria, e adotada por outros países da Europa, o “Apfelstrudel” (folhado de maçã), é um doce em que pequenos pedaços de maçã cobertos com açúcar e canela são envoltos por uma massa bem fina e tudo vai ao forno, para assar e ser devorado ainda quente.
Tendo se encantado pelo sabor suculento da banana e, por certo, observando que no Brasil a banana era tão fácil (e economicamente viável) como a maçã na Europa, minha avó fez uma adaptação da famosa receita do “Apfelstrudel”: em vez do recheio de maçã, são rodelas de bananas nanicas bem maduras que dão sabor à massa fina.
Minha mãe, que morava ao lado da casa de minha avó, aprendeu a receita do “Strudel”. É delicioso observar minha mãe abrindo a massa tão fina até que se descortine a estampa da toalha de mesa que está embaixo... as rodelas de banana sendo esparramadas por sobre a massa... o açúcar caindo feito neve sobre as bananas... a canela abrasileirando ainda mais o sabor... os pedaços fartos de manteiga... Depois, o ritual um tanto ansioso de enrolar feito rocambole a massa muito recheada e, tendo a toalha como apoio, deitar o grande tronco na assadeira. Do forno, o aroma se esparrama rapidamente pela casa, enquanto esperamos ficar pronto...
Para nós, seus filhos, o doce é um laço familiar, é como as páginas de um livro que conta a história da imigração da minha avó, de sua adaptação ao novo país (da maçã para a banana), de seus casamentos, da vida difícil na zona rural, da trágica morte de seu primeiro marido, dos nascimentos dos tantos filhos... A despeito das dificuldades que marcaram a sua vida, numa terra tão diferente da terra em que nasceu, nós sentimos, ao saborear o “Strudel”, que valeu a pena... que ela soube (como muitas mulheres sabem) fazer da amargura um doce, misturando dentro da mesma massa Europa e América, Áustria e Brasil, Viena e Guaratinguetá, neve e sol intenso, luta e amor. E nos sentimos como bananas quentes, dentro de um ninho aconchegante de carinho e história familiar.
Para vocês, meus amigos, a receita do “Bananastrudel”.
“BANANASTRUDEL” (por Emma Posch e Dina Maciel)
Para preparar o Strudel, comece comprando no mercado ou em feiras (as bananas de supermercado não são tão saborosas) 2 dúzias de bananas nanicas (obrigatoriamente nanicas!) bem maduras (bem mesmo, muito pintadas e molinhas). Reserve.
Dentro de uma tigela grande, coloque 3 xícaras de trigo. Afaste a farinha do centro da tigela, deixando um vão redondo. Ali, acondicione 1 colher de manteiga (a nossa Maringá é ótima) e 1 ovo inteiro. Leve ao fogo para amornar meia xícara de água (medida aproximada) com uma pitada de sal. Misture a massa com as mãos enquanto adiciona, devagar, a água morna até que a massa fique uniforme e lisa. Sove bem a massa (bem mesmo! Costuma doer os pulsos). Deite-a no fundo da tigela (minha mãe costuma desenhar com a lateral da mão, uma cruz sobre a massa), cubra com um pano bem branco e deixe descansar por meia hora. Neste tempo, descasque e corte em rodelas (nem muito finas nem muito grossas) as bananas nanicas (vale pedir ajuda!).
Estenda sobre a mesa uma toalha e abra a massa sobre ela, no início com um rolo e depois com as mãos, bem devagar. A massa deve ficar bem fina, transparente (diz a tradição que a massa deve ficar tão fina que é possível ler um jornal através dela). Muitas vezes, as bordas extrapolam a superfície da mesa. Esparrame sobre a massa as rodelas de banana, salpique açúcar, bastante canela em pó, pedaços de manteiga, uvas passas. Outros ingredientes possíveis para o recheio: frutas cristalizadas, amêndoas trituradas, goiabada, nozes...
Com a ajuda da toalha, enrole a massa como rocambole. Unte assadeira grande e deixe quase escorregar o rocambole para dentro dela. Algumas vezes, pode acontecer da massa se romper e o recheio (rebelde) querer sair. Pacientemente, feche com os dedos os vãos, utilizando, se preciso, pedaços da massa que ficam nas bordas. Pincele manteiga sobre o “Strudel” e leve-o ao forno médio. Vez ou outra, abra o forno, colha a calda que estará no fundo da assadeira (quanto mais maduras e de qualidade as bananas, mais calda teremos) e a solte sobre a massa. Quando observar que a massa está sequinha por cima e o aroma tão delicioso que não dá mais para esperar, desligue o forno, aguarde alguns minutos e sirva. Há os que preferem com sorvete de creme, chantili, calda de baunilha... Em casa, comemos mesmo puro... acompanhado de “hummmms” e muita conversa.
Que tenham todos um Feliz Natal!




terça-feira, 15 de novembro de 2011

CORUJICE EXPLÍCITA

Vão falar que sou mãe-coruja... pura verdade. Mas, vou publicar aqui dois textos, escritos pelos meus filhos. O primeiro, Asterisco, de autoria do Ary, revela uma maturidade que me surpreendeu. O segundo, do Léo, escrito ontem à noite, deixou-me orgulhosa  pela sensibilidade e valores que traz. Espero que apreciem... Com vocês, meus "meninos"...´


ASTERISCO
             Dizem que boas ações fazem nascer uma estrela na testa.
            Sentado no banco de trás, de madeira e solavancos, pensava um soldado verde. Sozinho atrás de um caminhão, olhava para o exterior. Era claro, nítido. Dele tudo se afastava, na medida em que seguia para trás. Ou para frente?
            Pensava e se esforçava, tentava o equilíbrio. Eram buracos tantos na Estrada, e nunca havia de avisarem-se. A menos quando freava, se leve, sutil, delicadamente o Motorista, como quem avisa: Firmeza, filho, esse é grande.
            Os buracos passados, passaram. Depois de um tempo nem se lembra mais. Alguns de lembrança colorem de roxo o soldado verde. Mas até os roxos passam, ao passar. Arnica. E bastante o tem o soldado verde. Assim, de roxo em roxo se faz calejo, e do calejo se faz preparo, arauto da vitória.
            Pensava o soldado verde, nas casas que se iam ficando, singelas, feitas de suor e felicidade. Nas plantas que se esticam por entre as cercas e fugiam da Estrada, demarcando-o. E pensava nos animais pacatos que se iam andando, alguns trotando, outros dormindo, sem perceberem a Estrada nem o destino.
            E, sobretudo pensava nas pessoas, queridos amigos de pouso e repouso, repetidos e reafirmados, descobertos e encobertos. Sentia a saudade já a cutucar no bolso esquerdo, e lhe doía mais ao esbarrar com ela, devido a um buraco qualquer. Carregava-a com uma fissão de tristeza e alegria, como quem carrega uma parte da Estrada.
            Da guerra nem se fala. Nem se cala. Como ia ser quem sabe? Quem sabe já não o é? Talvez só o Motorista, velho de guerra... Era a guerra em alguma parte da Estrada. Reta de infinitos pontos. Curva de infinito raio. Talvez a guerra seja somente permanecer dentro do caminhão, vendo casas ficar plantar esticar arrumar animais tratar, e crianças dormir. E ser levado pelo Motorista. E a Estrada se levar no bolso esquerdo.
            Ninguém mais por isso lutava, e por isso já não percebiam a Estrada. Vagavam sem rumo, reclamando do sol do céu, dos pós das pedras, das costas de tudo ter dado as costas, como se não tivessem dado. Por isso seguia sozinho no banco de trás.
            Pensava e enquanto pensava, ouviu. Outro caminhão, outro soldado verde. O mesmo Motorista.
            E mais um caminhão, mais outro soldado verde.
            E sempre o mesmo Motorista.
            Enfim não estava só. Iam juntos, unidos, como se desde o começo da Estrada estivessem carregando uns aos outros no bolso esquerdo.
            E em comboio seguiam, a poeira que levantam os tingia de Terra, amadurecia-os.
            E puderam ver nos olhos uns dos outros, o reflexo de suas estrelas na testa.
            Considerava no céu, seguindo nesse caminho
                        de estrelas.
Ary Maciel Junqueira Ribeiro – 27/10/2011

"Segura a caneta e solta o cigarro
Acenda ideias e não o isqueiro
Escreva palavras, não devaneios
Mente poeta em corpo saudável
Ganhe tempo com letras, enxote fumaça
...
Que destrói o corpo e não serve pra nada
Se falo o que falo, faço o que digo
O cigarro pode parecer camarada
Mas não passa de um inimigo
Se cada tragada inspirada fosse palavra
Teríamos exorbitante variedade literária
Então todos que fumam se tornariam sábios
E os que já eram sábios, se tornariam sãos,
E vivenciaríamos a tão nova, velha era
De sábios sãos e sóbrios lunáticos.''
Léo Maciel Junqueira Ribeiro - 14/11/2011



LEITURA MÁGICA

Estive ontem passeando em São Paulo. Numa livraria, percorrendo os olhos pelos livros avolumados em estantes e vitrines, chamou-me a atenção um título: "O Ano da Leitura Mágica." A autora: Nina Sankovitch, uma desconhecida para mim. Livro na mão, apreciei sua capa em tom de amarelo suave. No alto, a frase do The New York Times acabou de me convencer: "Uma celebração à leitura." Comprei o livro e, ainda no carro, li a resenha e a vontade era de começar a leitura ali mesmo. À noite, em casa, sob as cobertas que estes dias chuvosos e de gostoso frio resgataram, iniciei a leitura... onze horas, meia-noite... os olhos fechando, a cabeça tombando, o livro escorregando das mãos... pela manhã, mais leitura... é feriado! Muitas páginas depois e o encantamento se multiplica. Nina Sankovitch perde a irmã para o câncer. A fim de redescobrir o significado da vida, lança a si mesma um desafio: ler um livro por dia durante um ano. Sim, um livro por dia! Estabelece rotinas e ritmos domésticos (tem marido e quatro filhos!) e vai lendo e escrevendo resenhas, que publica em seu 'site'. Junto com os comentários leves sobre os livros, vai nos oferecendo reflexões sobre a família, a vida, a morte, o sentido dos dias... ainda não terminei, mas, já senti que vale a pena... Recomendo...

domingo, 30 de outubro de 2011

FRAGMENTOS DE LEITURAS

A pedido de uma grande amiga, organizei fragmentos de livros que li e que abordam os livros e a leitura. Diferentes autores, muitas épocas e estilos... comum a todos: a paixão pela leitura. Espero que gostem.

“Amo os livros. E não é de fato divertido que pequenos sinais escuros sobre um papel possam ser tão interessantes? Folhas de papel com minúsculos símbolos pretos, e temos uma história.” Virgínia Axline
“Um livro não é um chumaço de papel; um livro é um cérebro, uma pessoa, várias pessoas, a nossa sociedade, a própria civilização.”Irving Wallace
“Os verdadeiros analfabetos são os que aprenderam a ler e não leem.” Mário Quintana
“A escrita é uma longa introspecção, é uma viagem às cavernas mais escuras da consciência, uma lenta meditação. Escrevo tateando o silêncio e pelo caminho descubro partículas de verdade, cristaizinhos que cabem na palma da mão e justificam minha passagem por esse mundo.” Isabel Allende
“O homem constrói casas porque está vivo, mas escreve livros porque se sabe mortal. Ele vive em grupo porque é gregário, mas lê porque se sabe só.” Daniel Pennac
“ - (...) Alguns livros você só lê se for obrigado. Essa é a beleza de uma educação formal. Ela faz você ler um monte de coisas às quais você normalmente jamais daria atenção.
  - E isso é bom?
 - No fim das contas, é bom, sim.” David Gilmour
“(...) a virtude paradoxal da leitura é nos abstrair do mundo para lhe emprestar um sentido.” Daniel Pennac
“Uma leitura bem levada nos salva de tudo, inclusive de nós mesmos.” Daniel Pennac
“Uma criança que se torna leitor (...) alcançou o estágio do homem que aprendeu a pescar.” Luzia de Maria
“Ser culto é o único modo de ser livre.”José Marti
A leitura é uma experiência. Ler sobre uma tempestade não é o mesmo que estar em uma tempestade, mas ambos são ambos são experiências. Respondemos emocionalmente a ambos e podemos aprender com ambos.”Luzia de Maria
“Os prazeres da leitura são múltiplos. Lemos para saber, para compreender, para refletir. Lemos também pela beleza da linguagem, para nossa emoção, para nossa perturbação. Lemos para compartilhar. Lemos para sonhar e para aprender a sonhar.” José Morais
“Por mais que os leitores se apropriem de um livro, no final, livro e leitor tornam-se uma só coisa. O mundo, que é um livro, é devorado por um leitor, que é uma letra no texto do mundo; assim, cria-se uma metáfora circular para a infinitude da leitura. Somos o que lemos (...). Esse é o motivo por que (...) nenhuma leitura pode ser definitiva.”José Morais
“O ato de ler estabelece uma relação íntima, física, da qual todos os sentidos participam: os olhos colhendo as palavras na página, os ouvidos ecoando os sons que estão sendo lidos, o nariz inalando o cheiro familiar de papel, cola, tinta, papelão ou couro, o tato acariciando a página áspera ou suave, a encadernação macia ou dura, às vezes até mesmo o paladar, quando os dedos do leitor são umedecidos na língua...” Alberto Manguel
“Aqueles que podem ler veem duas vezes melhor”. Menandro (séc. IV a.C.)
“Tenho sonhado às vezes que, quando chegar o Dia do Juízo e os grandes conquistadores, advogados e estadistas forem receber suas recompensar – suas coroas, lauréis, nomes gravados indelevelmente, em mármore imperecível -, o Todo-Poderoso irá se voltar para Pedro e dirá, não sem uma certa inveja quando nos vir chegando com nossos livros embaixo do braço: Veja, esses não precisam de recompensa. Não temos nada para lhes dar. Eles amaram a leitura.’” Richard de Bury
“Todo leitor é um andarilho em descanso ou um viajante de retorno.” Alberto Manguel
“Os que leem, os que nos contam o que lêem,
Os que ruidosamente viram as páginas de seus livros,
Os que detêm o poder sobre a tinta vermelha e preta e sobre as imagens,
São eles que nos conduzem, que nos guiam, que nos mostram o caminho.”
Códice asteca de 1524, Biblioteca Vaticana.

“Ler é, em última instância, não só uma ponte para a tomada de consciência, mas também um modo de existir no qual o indivíduo compreende e interpreta a expressão registrada pela escrita e passa a compreender-se no mundo.” Ezequiel Theodoro da Silva

“A leitura é sempre apropriação, invenção, produção de significados. Segundo a bela imagem de Michel de Certeau, o leitor é um caçador que percorre terras alheias (...)." Roger Chartier









domingo, 16 de outubro de 2011

UM MENINO E SEU SONHO

Era um menino de uns onze anos. Cabelos loiros. Olhos e espírito inquietos. Percorria os espaços de brincadeiras e jogos, naqueles finais dos anos 60, com desenvoltura e liberdade. Na rua, era um moleque como os outros. Em casa, era quase difícil: arrumava formas sempre novas de zombar das irmãs, lia em voz alta (em tom de deboche) as cartas que o pai, enamorado, escrevera para a mãe, se recusava a fazer tarefas e trabalhos escolares, fugia dos castigos...
Havia nesse menino, porém, uma ternura insuspeita: amava os animais. O quintal da pequena casa onde morava com seus pais e irmãs já recebera galinhas (e um galinheiro inteiro!), codornas, coelhos, patos, passarinhos, gato e cachorro. O menino rebelde era doce e suave no cuidado com os animais.
Um período do ano, em especial, o transformava: vésperas do Dia de São Benedito. Em homenagem ao santo, a Cavalaria de São Benedito desfilava por toda a cidade: um grande cortejo de cavalos e cavaleiros. Nos dias anteriores à festa, cavalos eram trazidos dos sítios e fazendas vizinhos e, amarrados nos postes e portões, eram lavados, escovados, cuidados, tratados até estarem prontos a compor o cortejo.
O menino vibrava: se oferecia para escovar os cavalos, recolhia água em baldes para dar-lhes de beber, auxiliava cavaleiros a posicionar arreios e rédeas... Por vezes, conseguia, com esses favores, a concessão de uma volta sobre os animais, tão queridos por ele.
Naquele ano, assim que a Cavalaria terminou de passar pela rua de sua casa, o menino tomou uma decisão: seria também um cavaleiro de São Benedito. Pergunta daqui, indaga dali, descobriu: precisaria de calça, camisa, sapato e quepe brancos. Uma taxa para receber a fita verde-amarela que usaria atravessada no peito – marca dos cavaleiros de São Benedito.
O menino pediu dinheiro ao pai que,  por conta dos escassos recursos da família, ou por querer ensinar alguma coisa ao filho, negou.
Dias depois, ouviram-se no quintal barulhos ininterruptos de serra e martelo trabalhando a madeira. Algumas tardes de trabalho e lá estava: uma caixa de engraxate, das mais bonitas que já se viu. A imagem do menino engraxando sapatos foi um tanto constrangedora. A família era pobre, mas engraxar sapatos na rua era atividade para pessoas ainda mais pobres, quase miseráveis, aqueles que precisavam que seus filhos trabalhassem para ajudar em casa. Mas, o menino queria o dinheiro para ser cavaleiro... e foi engraxar sapatos. Durante um ano inteiro, lá foi ele... caixa nas costas, para a praça principal da cidade, em busca de sapatos para lustrar. Ao final do dia, depositava os trocados num envelope, que guardava sob as roupas na gaveta da cômoda.
Comprou a calça branca, o quepe e os tênis.  A camisa, a mãe costurou, a partir do tecido que ele também comprou. Semanas antes da festa, pagou a taxa e recebeu as fitas de cavaleiro de São Benedito. O cavalo emprestou do tio... um belo e alto alazão, não muito manso.
No dia da cavalaria, não havia menino mais belo que ele... Empertigado sobre o cavalo, orgulhoso de ter conseguido, com seu próprio esforço, desfilar, uniformizado, por toda a cidade.
Nem vamos mencionar o cansaço que tomou conta dele depois da cavalaria e a promessa de que nunca mais seria um cavaleiro.
Vamos mencionar o quanto eu, sua irmã (então) caçula, admirei aquele menino com ares de homem, sobre o cavalo. Admirei-o e aprendi que todo trabalho é digno e que podemos ser o que sonhamos.
Eliana Maciel

domingo, 2 de outubro de 2011

Vinte anos, segredos e milagres

Eu estava com 20 ou 21 anos. Namorava um moço que conheci num baile de Carnaval. Ele era belo: moreno, alto, bem magro, bigodes sedosos e olhar profundo. O sorriso não era comum, mas, quando surgia, iluminava um rosto levemente marcado pela tristeza.  Nós nos dávamos bem: ele era gentil e tranquilo. Aos poucos, o apresentei à minha família, e todos gostavam dele. Minha mãe, especialmente.
Este “príncipe”, porém, tinha um “defeito” (aqueles tempos...): era separado, com duas filhas pequenas. Quando minha mãe soube, ficou muito brava. Toda a conversa de “moço bom” foi por água abaixo. Proibiu-me o namoro. Ah!... quando temos 20 anos! Nada pode nos deixar mais apaixonados que um amor proibido. Encontrávamo-nos aos finais de semana, quase às escondidas. Fiz boa amizade com suas pequenas meninas. Chegamos a viajar juntos, e eu gostava de cuidar delas... e sentia que elas gostavam de estar comigo.
No começo de uma noite de sábado, eu o aguardava... havíamos combinado: ele traria as filhas e me telefonaria, dizendo o local onde nos encontraríamos. Era verão e uma tempestade estava terminando... Eu aguardava a ligação na varanda de casa, observando os pingos do final da chuva e a movimentação da rua. Em frente à casa, a ladeira da Rua Vigário Martiniano estava às escuras... efeito da tempestade. Em um momento, olhei no alto da ladeira e vi um carro - o farol muito alto - parar por um momento, e depois descer a rua, a toda velocidade. Reconheci o carro do meu namorado e não entendi... por que ele não havia ligado? Por que aquela reação intempestiva? Não combinava com o que conhecia dele...
Poucos minutos depois, as vi... as meninas... descendo a ladeira escura, sob a chuva, de mãos dadas, chorando. Nem pensei em entender... desci as escadas, abri a porta, atravessei a rua e fui ampará-las. Elas não conseguiam dizer o que havia acontecido, tanto choravam. Levei-as para casa e, ajudada por minha mãe, oferecemos água com açúcar e carinho para elas. O pai delas ligou. Eu não podia dizer nada, somente que as meninas estavam ali comigo, como por milagre. Ele tomou um táxi e chegou em casa em poucos minutos.
A situação foi esclarecida: ele havia parado na Rodoviária para ligar para mim (tempos sem celular!), deixou as meninas no carro e se esqueceu de tirar as chaves do contato. Em um segundo,  um homem adentrou o carro e o levou... junto com as meninas. Elas contaram que começaram a chorar, chamando pelo pai... e o tal homem disse que logo, logo, elas o encontrariam... que ele iria só levar o carro. E as deixou ali, sob meus olhos.
Depois disso, todos souberam que o namoro continuava e nos deixaram em paz. Namoramos mais um tempo até que houve um rápido e definitivo adeus. Soube, há alguns anos, que ele faleceu, ainda jovem...
Durante muito tempo, pouco vi as meninas... mas nunca as esqueci, nem elas a mim... Hoje são mulheres, belas mulheres... sinto um carinho especial por elas... como se, num momento muito importante, meus olhos e mãos foram chamados para protegê-las. E eu obedeci.
Alguém duvida da existência de milagres?
A estas meninas/mulheres, todo meu carinho...
Eliana Maciel



Licença-prêmio e o Grande Sertão

Terminaram os quinze dias de licença-prêmio que havia tirado... Amanhã volto ao trabalho em período integral. O que fiz nestes dias quinze dias? Os planos eram muitos, mas, logo, logo, deixei tudo para lá e procurei somente “estar”. Viver o que o momento traz... óbvio que precisei continuar os outros trabalhos, o cuidado comigo, com os filhos e com a casa...  fora isso... vi filmes e li... muitos livros.
Costumo fazer uma brincadeira: conto aos amigos que, quando eu nasci, meus pais não sabiam que nome me dariam e resolveram esperar para ver o nome brotar... Quando comecei a ler, eles souberam o nome que me dariam...  eu pegava um livro e lia... e lia na sala, e lia na cama, e lia na poltrona, e lia na rede... e lia na... Eliana.
A leitura é um dos fortes fios condutores da minha vida. Nestes dias de (quase) descanso, recorri à ampla biblioteca do meu amor... trouxe de lá uma alta pilha de livros, que dispus em meu criado-mudo e vibro à medida em que vejo a pilha se reduzir ao ritmo da minha leitura encantada.
Aos poucos, comentarei as obras que li. A primeira provocou-me especial alegria: trata-se de uma edição especial em comemoração aos 50 anos de publicação de Grande Sertão: Veredas, do maravilhoso Guimarães Rosa. O livro em si já havia lido e relido, à época do Curso de Letras... este, agora, descreve, com palavras e fotos, a instalação homônima ao livro concebida por Bia Lessa para a inauguração do Museu da Língua Portuguesa, em março de 2006. A concepção da instalação, os caminhos percorridos pelos visitantes, as folhas dos originais do Grande Sertão, revelando o esmero de Guimarães Rosa com seu texto... o sertão visto, ouvido, saboreado, sentido... mais que a instalação, o pequeno livro trouxe de volta o mundo mítico do nosso universal Grande Sertão:Veredas.
Para vocês, alguns fragmentos, citados no livro.
“Diadorim é a minha neblina...”
“Relembro Diadorim. Minha mulher que não me ouça. Moço: toda saudade é uma espécie de velhice.”
“Riobaldo, a colheita é comum, mas o capinar é sozinho...”
“Despedir dá febre.”
“(...) no viver tudo cabe.”
“Viver... O senhor já sabe: viver é etcétera...”
“Homem foi feito para o sozinho?”
“A liberdade é assim, movimentação.”
“A gente só sabe bem aquilo que não entende.”
“O senhor sabe o que o silêncio é? É a gente mesmo, demais.”
“Qualquer amor já é um pouquinho de saúde, um descanso na loucura.”
“Viver é um descuido prosseguido.”
“Vivendo, se aprende; mas o que se aprende, mais, é só a fazer outras maiores perguntas.”
- “Sorte é isto. Merecer e ter...”
“Cada hora, de cada dia, a gente aprende uma qualidade nova de medo!”
“Somente com alegria é que a gente realiza bem – mesmo até as tristes ações.”
“Perto de muita água, tudo é feliz.”
“O senhor... Mire veja: o mais importante e bonito, do mundo, é isto:               que as pessoas não estão sempre iguais, ainda não foram terminadas – mas que elas vão sempre mudando. Afinam ou desafinam. Verdade maior. É o que a vida me ensinou. Isso que me alegra, montão.”


domingo, 25 de setembro de 2011

Contos de menina...

Meus amigos Leda e Jocely têm dois belos filhos: Lívia e Miguel. São crianças educadas com carinho e cuidado. Gosto de observar o quanto são inocentes: lembram-me as crianças de quando eu era menina... Após o lançamento de "Menina dos Olhos", a Lívia disse para a mãe que havia descoberto sua profissão. Com toda certeza dos seus dez anos, anunciou que seria escritora. E começou a escrever histórias e mais histórias. Muitas, inclusive, ela própria ilustra, utilizando o computador. Lívia constrói novos contos de fadas, diferentes dos tradicionais, como ela mesma comenta. Lívia tem ótimo vocabulário e suas palavras nos levam a imaginar as cenas que descreve. Lívia bem que merece publicar um livro...

Com vocês, a pequena-grande escritora, Lívia Jane...

Carta ao leitor
Todos esses séculos os contos de fada sempre foram assim: madrasta ruim, pai viúvo, mãe morre doente, princesinha maltratada pela madrasta e príncipe encantado. Mas as minhas histórias são diferentes...
As três árvores
Era uma vez uma garota chamada Ester que morava com seus cinco irmãos homens: Daniel, Gabriel, Joel, Samuel e Marcel.  Ela era a única menina da família, porém, era a mais velha. Um lindo dia, combinaram que iriam visitar os avós no final de semana. Seus avós, ninguém sabe por que, moravam na floresta.
                Ester mandou Daniel pegar três tipos de frutas diferentes para levarem para os avós. Daniel estava procurando os frutos de que mais gostava e encontrou-os em três árvores belas e carregadas que ficavam no alto de um morrinho. Daniel, ao enxergar as árvores, começou a salivar, esqueceu do que deveria fazer e comeu os frutos de uma vez só. Na última árvore ele nem subiu, pois estava com a barriga cheia.
                 Voltou para casa sem saber de nada e sua irmã chamou sua atenção. Mas, como só iriam visitar os avós no fim de semana, ela não ficou tão nervosa. No outro dia, Ester mandou Gabriel fazer o que o irmão não tinha feito. Por coincidência, ele encontrou as três árvores que o irmão tinha achado. Aconteceu a mesma coisa e a irmã também chamou sua atenção. No outro dia, ela mandou Joel fazer a mesma coisa e não aconteceu diferente. Ester mandou depois Samuel e aconteceu tudo igual. No dia seguinte ela mandou Marcel e disse que não aceitaria desculpas.
                 Marcel era o mais inteligente de todos os cinco meninos, só não era mais que a irmã por ser o mais novo dos filhos. Ela já viu quase todo tipo de coisa, por isso ele era o segundo mais inteligente. 
  Marcel mergulhou um pano em molho de pimenta que fervia e queimava suas mãos, e colocou-o amarrado na boca, assim não comeria nada, pois, se tentasse tirar o pano, se queimaria e se abrisse sua boca engoliria pimenta. Encontrou as três árvores das desculpas dos seus irmãos e pegou tudo o que tinha a pegar, mas achou uma matilha de lobos a sua frente. Marcel correu e entrou em casa. A irmã viu tudo o que tinha acontecido e se orgulhou de Marcel, mas se desapontou e pediu desculpas aos irmãos, que tinham falado a verdade. Assim, visitaram os avós e tudo correu bem daquele dia em diante.

Ass.: Lívia Jane

SENHORA DA VIDA

No final de uma tarde de setembro, fui visitar uma senhora de 87 anos... Quem imagina que a conversa girou em torno de lamentos e dores e tristezas se enganou. A “velhinha” que fui visitar encontrava-se perfeitamente trajada (roupas confeccionadas, em sua maioria, por ela mesma), de unhas feitas e vistosos brincos e anéis. Contou todas as suas peripécias de idosa com risos e mais risos... suas limitações foram tema de piadas e motivo para as gargalhadas...
Esta “senhora” é minha sogra, Dona Nilza. Dizem que sogra não é “ex”, que sogra é para sempre... que bom! Dona Nilza é mesmo para sempre em meu coração. Mulher corajosa,  criou os sete filhos com generosidade e alegria. Uma artista que ousa ser feliz com o que tem, sem grandes ambições, sem grandes expectativas. Para ela, bastam o tempo, os parentes, os amigos, uma boa conversa, a alegria. Toda a vida vivida a cada dia, desfrutando do prazer de existir.
A ela não devo nada, nem ela a mim. Estivemos mais próximas durante bastante tempo... agora, quando posso, a visito, junto com meus filhos, somente pelo prazer de sua companhia... Somos mulheres de gerações diferentes, quarenta anos nos separam, mas, temos em comum a luta pelo bem-estar dos filhos que geramos. Não ficou entre nós nenhuma rusga dos tempos difíceis... entendemos que cada uma ofereceu a outra o que podia, dadas todas as circunstâncias...
Estar com Dona Nilza é, a todo segundo, celebrar a vida. Obrigada, querida amiga.
NILZA
Idade de senhora, vitalidade de menina.
Mãos de fada no prato,
                                   no pano,
                                               no pincel.
Amor incondicional aos que lhe vieram da carne
e aos que lhe traz a alma.
Símbolo de doação...
Mãos abertas ao próximo,
mãe espiritual de muitos.
Aos justos, pede conciliação,
aos injustos, oferece terno – e eterno – perdão.
Mulher da Nova Era...
Amiga, querida, artista,
maga, irmã, rainha,
nossa bússola de navegação...






domingo, 4 de setembro de 2011

Exagero de amiga

Há alguns dias, recebi um e-mail de uma amiga... o nome dela é Sônia Proença. Estudamos juntas, no Curso de Magistério, quando éramos meninas adolescentes. Quando ainda acreditávamos em príncipes encantados e em relacionamentos perfeitos.
Encontramo-nos não muitas vezes... sempre rapidamente... na porta da padaria, na saída do Colégio, no salão de cabeleireiro... nestes momentos, sempre recebo dela palavras carinhosas... Embora nos vejamos pouco, ela sabe ler o que vai na minha alma, a cada momento da minha vida... seu jeito resolvido de ser me ensina, sua alegria se espalha por todo lugar onde passa... ela nunca deixou de acreditar... e estava certa, o tempo todo...
Segue a mensagem, que ela me pediu para postar no blog... como poderão ler, muitas das suas palavras são exageros de amiga...

"Sabe aquela amiga sonhadora?
Aquela que espera um príncipe encantado... que borda seu enxoval com as iniciais? Que fala corretamente, que não gosta de falar alto, que andava de rasteirinha, mas parecia estar de salto...? Foi assim que nos conhecemos no famoso Instituto, no nosso curso Normal. Havia poucas meninas e nenhum menino e isso nos deixava mais à vontade ainda, podíamos trocar receitas, piadinhas (sempre femininas) e ela, aquela loirinha, destacava-se pela sua forma sempre pontual nas  tarefas e  no capricho!
Já namorava sério, assim como era: séria!
Enquanto algumas gostavam de sair (assim como eu... rs), ir a bailes, shows, barzinhos e karaokês ( que  faziam o  maior sucesso naquela época) ela era pouco vista na “night”. Saía, mas não tanto quanto eu..rs
O tempo passa, as pessoas mudam bastante, mas não perdem sua essência, seus valores, e sei bem o quanto você, Eliana, é especial. Além de uma mulher bonita, charmosa,  inteligente, uma mãe preocupada e ativa, vejo em você hoje uma mulher muuuito melhor...Vejo você mais Mulher, talvez a maturidade e as experiências de vida tenham feito isso, está ainda melhor do que sempre foi.
É muito bom encontrá-la e ver que seus olhos hoje têm um brilho mais intenso.
Eliana, adoro você, amiga, sei o quanto dedicada é em tudo que faz e estou torcendo pelo seu sucesso pessoal e profissional. Adoro seu Blog, suas histórias, uma delícia de ler e viajar...
Um grande beijo da sua amiga.
 Sonia"

domingo, 28 de agosto de 2011

HISTÓRIA PARA CRIANÇAS... DE TODAS AS IDADES

MARINA DAS TRANÇAS
            Marina era uma indiazinha xavante de doze anos. Desde bem pequena, acostumara-se a dividir seus cabelos em quatro partes e a trançar cada uma delas. Aos poucos, as tranças finas da menina Marina tornaram-se volumosas, perfumadas, brilhantes e muito negras.
            Um dia, sua mãe pediu-lhe que fosse à floresta buscar água, raízes e lenha. Marina levava um pote para a água, um baquité para a lenha e as raízes e seu pequeno machado de pedra.
            Dirigiu-se primeiro à Cachoeira Grande, mas, assim que mergulhou o pote na água, aconteceu... a cachoeira secou, não havia mais uma gota de água onde antes deslizava uma enorme cascata.
            Marina, a menina das quatro tranças, pediu:
            - Cachoeira, dá-me sua água para eu matar a sede do meu povo.
            Mal havia acabado de falar, ouviu um grande rumor que saía das altas pedras:
            - Marina, dá-me em troca uma de suas tranças, a mais grossa, para que minhas águas nunca percam o volume.
            No mesmo instante, Marina cortou uma de suas tranças com seu machado de pedra e a atirou no leito, agora seco, do rio. Antes que a trança atingisse o solo, as águas começaram novamente a jorrar, ainda mais barulhentas, grossas e límpidas. Marina recolheu a água no pote, colocou-o sobre a cabeça e continuou seu caminho.
            A próxima parada foi no campo de lenha. Avistou por ali muita lenha seca e firme, própria para o fogo, mas, quando se abaixou para coletá-la, aconteceu... começou a cair uma garoa que imediatamente molhou toda a lenha, tornando-a úmida e esverdeada.
            Marina, a menina das três tranças, disse:
            - Sol, dá-me seu calor para eu poder levar o fogo para o meu povo.
            Em seguida às suas palavras, ela ouviu uma voz de trovão, vinda das nuvens:
            - Marina, dá-me uma de suas tranças, a mais brilhante, para que meus raios nunca se apaguem.
            A menina rapidamente cortou outra de suas tranças e a atirou para o alto. As nuvens, então, se abriram e deram passagem para os raios do Sol que, em pouco tempo, de tão fortes, secaram a lenha. Marina recolheu o que pode e seguiu em frente.
            Agora só faltavam as raízes para Marina poder voltar para a aldeia. Chegando à roça das raízes, Marina abaixou-se para colhê-las, mas, mal havia encostado seus dedos nelas, aconteceu... a terra virou lama e escondeu todas as raízes em seu ventre.
            Marina, a menina das duas tranças, implorou:
            - Terra, dá-me suas raízes para eu poder levar alimento para o meu povo.
            Naquele instante ouviu uma voz vinda do fundo da terra, como um terremoto:
            - Marina, dá-me uma de suas tranças, a mais perfumada, para que meus frutos sejam sempre saborosos.
            Marina, então, cortou mais uma de suas tranças e a deixou cair. Antes mesmo que a trança roçasse o chão, a terra ofereceu novamente as raízes, ainda mais viçosas e macias. Marina colheu todas que pode, guardou-as no baquité e pensou que já era hora de voltar para casa.
            Recomeçando a caminhar, percebeu que a noite começava a cair. Marina apertou o passo, mas não adiantou... a noite desceu sobre ela e a floresta, cobrindo tudo com seu manto negro.
            Marina, a menina da única trança, rogou:
            - Noite, dá-me sua luz para que eu possa voltar para o meu povo.
            A indiazinha ouviu então uma forte voz que envolvia toda a escuridão:
            - Marina, dá-me sua última trança, que é a mais escura, para que minhas trevas nunca se acabem.
            Marina rapidamente cortou sua última trança e a atirou para o alto. Naquele instante, uma grande Lua nasceu, iluminando o caminho até a aldeia.
            Marina, a menina sem tranças, chegou ao centro da aldeia, onde todos a esperavam, ansiosos. Naquela noite, ninguém dormiu: todos ouviam fascinados a história de Marina, saboreando as deliciosas raízes, bebendo da límpida água, aquecendo-se numa colorosa fogueira e apreciando as belas estrelas.
            Marina deixou seu cabelo crescer novamente, mas nunca mais fez tranças. Marina não era mais uma menina; Marina era, agora, uma mulher.

Eliana Maciel

ACABEI DE LER...

Acabei de devorar... "A Guerra de Clara", de Clara Kramer. Assim que o abri, quase não pude mais deixá-lo, de tão envolvente e sensível. A narrativa em 1ª pessoa nos leva a viver no mundo de Clara, uma adolescente polonesa-judia, que se vê obrigada, junto com sua família, a permanecer em um esconderijo sob a casa de um alemão anti-semita. Surpreendente descobrir, junto com a menina, como os laços que ligam as pessoas tendem a se estreitar, conforme se abrem para um relacionamento. Os anti-semitas tornam-se verdadeiros guardiões das famílias judias que vivem em seu esconderijo apertado, úmido e fétido. Os horrores da 2ª Guerra contados por esta mulher corajosa que vive nos EUA até os dias de hoje. Houve muito mais "Schindlers" do que imaginamos...



domingo, 21 de agosto de 2011

Do Caderno H...

Para divertir e provocar, fragmentos do "Caderno H", do Mário Quintana, "o poeta das coisas simples."

"Cartaz para uma feira do livro
Os verdadeiros analfabetos são os que aprenderam a ler e não leem.
Parábola?
Os espelhos partidos têm muito mais luas.

Imagem
Haverá ainda, no mundo, coisas tão simples e tão puras como a água bebida na concha das mãos?
Tempo
Coisa que acaba de deixar a querida leitora um pouco mais velha ao chegar ao fim desta linha.
Fim
E chegará um tempo em que os militares inventarão um projétil tão perfeito, mas tão perfeito mesmo, que dará volta ao mundo e os pegará por trás."
                                                                                  Mário Quintana



Decifrando enigmas...

Na semana passada assisti pela segunda vez a um filme muito interessante. Não é um filme novo, foi lançado em 1993. O título, traduzido, é "O Enigma das Cartas". A história gira em torno de uma família cujo pai faleceu em uma escavação arqueológica. A mãe não aceita a morte do marido e tem dificuldade em enfrentar a vida com os dois filhos, um menino e uma menina. A pequena começa a apresentar sintomas típicos de autismo, se afastando cada vez mais da vida cotidiana. A mãe, então, inicia um movimento de (re)encontrar a filha. Há cenas surpreendentes, tocantes, emocionantes. A interprertação da menina é excelente. Para pensar sobre: construir laços familiares, assumir responsabilidades, enfrentar perdas, chorar as lágrimas todas, vivenciar o luto e a perda, renovar-se, encontrar verdadeiramente o outro. Vale a pena!