Impressões escritas com as pontas dos dedos... palavras que buscam sensações e emoções... trocas, vivências, aromas, amizades.
quarta-feira, 27 de abril de 2011
domingo, 24 de abril de 2011
CASA LIMPA
Para encerrar um ciclo: perda - passagem - Páscoa - nova vida.
CASA LIMPA
Reguei meu vaso de violeta.
Limpei dos móveis a poeira.
Abri as janelas para o sol...
Esfreguei minhas roupas
e coloquei-as nos varais.
Varri minhas calçadas...
Cozinhei uma leve refeição,
comi-a com prazer
e guardei, limpos, os pratos...
Estendi minha cama.
Bati meus tapetes e cobertores.
Revi meus livros e discos...
Coloquei flores nos vasos.
Banhei-me, me vesti,
e perfumei-me um pouco...
Sentei-me no silêncio...
Tirei do baú minha flauta
e soprei nela
a música do esquecimento.
Eliana Maciel
ESTOU LENDO...
Estou lendo "MEMÓRIAS DE ADRIANO", de Marguerite Yourcenar. Trata-se de uma nova visita. Há muitos anos, tentei ler este livro. Não consegui. A temática me pareceu estranha, as palavras não encontraram eco em meu ser. Acabei por fechar o livro e adiar sua leitura. Confesso que, por muitas vezes, o via diante de mim. Sabia que haveria de reencontrá-lo como se espera reencontrar um amor mal resolvido.
Agora, o retomei. E encontro nele, a cada linha, uma grata surpresa. Trata-se de uma autobiografia ficcional da vida do Imperador romano Adriano, contada em forma de carta ao seu filho adotivo e futuro Imperador Marco Aurélio. A escritora belga Marguerite Yourcenar trata o texto com refinamento e equilíbrio: as memórias de um Imperador velho e doente não nos inspira pena. Ao contrário, nos leva a refletir sobre os aspectos da nossa vida e da vida em si. Um livro para uma leitura atenta, quieta, reflexiva. Enfim, posso apreciar, na maturidade, o que a juventude não me permitiu. Eis um dos presentes que o tempo nos oferece.
Ainda sobre perdas
Belíssima contribuição do amigo Walter Addeo:
UMA ARTE
A arte de perder não é difícil de aprender;
Tantas coisas parecem feitas com o molde da perda
Que o perdê-las não traz nenhum desastre.
Perca algo a cada dia. Aceita o susto
De perder chaves, e a hora passada à toa.
A arte de perder não é difícil de aprender.
Pratica perder mais rápido, mil coisas mais:
Lugares, nomes, onde pensaste ir de férias.
Nenhuma perda trará desastre.
Perdi o relógio de minha mãe. E veja! a última
Ou a penúltima de minhas casas queridas, foi-se.
A arte de perder não é difícil de aprender.
Perdi duas cidades, eram deliciosas. E, pior,
Alguns reinos que tive, dois rios, um continente.
Sinto sua falta, mas não é nenhum desastre.
Mesmo perder-te a ti - a voz que ria, o gesto
Que eu amava – mentir não posso. É evidente:
A arte de perder muito não é tão difícil de aprender
Embora a perda – anote isto – pareça um desastre.
ELIZABETH BISHOP
domingo, 17 de abril de 2011
PERDER
No último dia 15, sexta-feira, fez 14 anos que perdi meu pai. Quem perdeu alguém querido sabe: a dor permanece, a saudade aumenta, o tempo cuida de que possamos continuar a viver... Mas, as datas trazem a lembrança e a tristeza chega, mansa e contínua. Uma perda lembra outras...
Transcrevo aqui um trecho do belo livro "Perdas Necessárias", de Judith Viorst. Longe de ser um livro pessimista, nos ensina a encarar as perdas como degraus para o amadurecimento e a vida plena.
"Um tanto enrugada, altamente vulnerável e definitivamente mortal, examinei essas perdas. Essas perdas de uma vida inteira. Essas perdas necessárias. As perdas que enfrentamos quando nos vemos face a face com o fato do qual não podemos fugir:
que nossa mãe vai nos deixar, e que nós vamos deixá-la;
que o amor de nossa mãe jamais será só nosso;
que as dores que nos machucam nem sempre desaparecem com um beijo;
que estamos no mundo essencialmente por nossa conta;
que, por mais sábia, bela e encantadora que seja, nenhuma garota pode se casar com o pai quando crescer;
que nossas opções são limitadas pela anatomia e pela culpa;
que há falhas em qualquer relacionamento humano;
que nosso status neste planeta é implacavelmente efêmero;
e que somos completamente incapazes de oferecer a nós mesmos ou aos que amamos qualquer forma de proteção - proteção contra o perigo e contra a dor, contra as marcas do tempo, contra a velhice, contra a morte, proteção contra nossas perdas necessárias.
Essas perdas são parte da vida - universais, inevitáveis, inexoráveis. E essas perdas são necessárias porque para crescer temos de perder, abandonar e desistir."
domingo, 10 de abril de 2011
Mais do Fábio
Segue abaixo o comentário que o amigo Fábio Tibúrcio escreveu sobre "Menina dos Olhos". Ele considera que o azul sempre empregado no livro é sinal de uma aproximação com o universo masculino que culmina, no último conto, com o vermelho-sangue, símbolo da feminilidade. Interessante teoria... e muito bem escrita. O problema é que não imaginei nada disso para escrever. A calça, o céu, os olhos, o portão... eram mesmo azuis. Um livro é mesmo como um filho... soltamos para o mundo e cada um tem uma impressão dele... que bom! As impressões do Fábio são intensamente confiáveis.
BLUE MAN/BLOOD WOMAN
Sintetizar os contornos de uma obra literária em apenas uma linha é um desafio. Porém, me arrisco a dizer que o livro de contos de Eliana Maciel – “Menina dos Olhos” é um constante monólogo de evocações do masculino, uma espécie de “complexo de Édipo” às avessas, no qual o azul surge como uma espécie de metáfora àquele evocativo. Somente no último conto ocorre a celebração do feminino, agora em tom vermelho-sangue. Na realidade, a escritora, sondando pelas fendas de sua memória, retoma à sua infância captada pelos cinco sentidos, em especial pelo olhar. O mundo é uma grande tela, onde o azul, num primeiro momento, predomina. Ao contrário da vivência “cor-de-rosa” experimentada pela maioria das meninas, nos contos do livro “Menina dos Olhos” transparece a autora uma vivência única, de intenso realismo absorvido pelos olhos de alguém que vê e sente muito além daquilo que lhe é mostrado. Ela, ainda garota, descobre as maravilhas e as estranhezas do mundo, percebendo-o em suas cores, ruídos, texturas e aromas. É, sem dúvidas, uma narrativa permeada de sinestesias, como bem observou Marilena Araújo, mas de todas as sensações descritas, o olhar da menina se evidencia num contexto de objetos e sentimentos, onde o azul é a cor mais apreendida. Isso ocorre, por exemplo, logo no primeiro conto quando a pequena garota, na iminência de entrar no ônibus “apalpa o bolso da calça azul” (pág. 11). Tal circunstância seria irrelevante, se a referida cor não se repetisse em quase todos os demais contos do livro., com exceção de apenas quatro: “A fisgada”, “Tigela de sopa”, “O fim do mundo” e “Freio de mão”. Nesse sentido, o “portão azul” (pág. 17) é assim descrito no segundo conto, tornando-se título homônimo do próximo (pág. 21). O azul é também a cor do sofá (pág. 25), dos bibelôs (pág. 31), do vestido (pág. 39), do céu (pág. 43), da borracha (pág. 47), de outro céu (pág. 59) e dos olhos (pág. 43). Interessante é o predomínio do azul no conto “As flores do ladrilho”, no qual os olhos (pág. 63), o vitral (pág. 64) e o céu (pág. 65, pela terceira vez!) são todos azulados. Em “Grilos na madrugada”, por fim, as veias são azuis (pág. 68). Por intuição pura, arrisco aqui a tese de que o azul é uma metáfora, inconscientemente utilizada pela autora, para manifestação do masculino em sua obra. Não é sem razão que, assim como o azul, a figura do pai é outra constante nos contos de Eliana Maciel. A conhecida paixão da filha, quando ainda criança, pelo protótipo do masculino, mesmo que não tenha ela completa noção do que isso venha a ser. Fato é que a figura do pai é retomada diversas vezes no decorrer do livro. Coincidência ou não, esses dois elementos são encontrados não só no título do livro, mas na sua capa, na qual se denota clara preferência pela cor ou o tom azul. A menina só resolve então sua devoção ao pai (e por que não ao azul!), no último conto, quando narra, com o sugestivo título “Flores vermelhas”, a passagem de sua infância à vida adulta, o que é deflagrado com sua primeira menstruação. Aqui o azul desaparece, ou é dissolvido, num intenso vermelho-sangue que dá à menina cabeça e corpo de mulher. “É assim mesmo, está ficando moça.”, conclui com acerto a voz da tia reproduzida no texto. Nesse último conto o azul antes eleito para descrever objetos tipicamente masculinos (portão, céu, sofá, olho, vitral), agora é substituído pelo vermelho, “vermelho como a geléia das goiabas” (pág. 83), como é descrito o líquido quente que escorria pelas pernas da menina, agora mulher. O último conto é uma espécie de contemplação no espelho no qual a figura refletida é a menina, mas a figura que reflete é a mulher que acabou de aflorar. Como se, tomada desse sentimento novo, declarasse a mulher à menina em tom de despedida e autoafirmação: “Eis-me aqui, vermelha e mulher.” Como ocorre com os grandes pintores, o azul foi tão somente uma fase (etária e literária) da vida de Eliana Maciel, cujo vermelho foi descoberto no banheiro e revelado corajosamente numa página em branco. Isso cheira maturidade, goiabada e poesia.
Fábio Tibúrcio
Fábio Tibúrcio
domingo, 3 de abril de 2011
ESTOU LENDO...
De novo, a amiga Ana Flávia colocou em minhas mãos um excelente livro: A ilha sob o mar, da maravilhosa Isabel Allende. É um livro que nos prende diante de suas páginas abertas. Narra a vida de Zarité (Tété), uma africana que, ainda menina, se torna escrava doméstica em uma fazenda de cana-de-açúcar nas Antilhas. Sofre muitas humilhações mas não deixa de enaltecer suas raízes e crenças. Um romance feminino, denso, com uma ótima caracterização da época. Não sei ainda como terminará a história, mas estou contente que Isabel Allende tenha dado voz a uma alma feminina que viveu a escravidão. Já imaginaram quantas vozes dessas continuam caladas, após a cruel escravidão do Brasil?
E você, o que está lendo?
Fábio, o poeta
Um dia, meu amigo Walter Addeo me apresentou a um poeta. Apresentou-me a ele por meio de um poema, "Voo Nupcial", que podem ler abaixo. Pediu-me que fizesse um comentário sobre o poema. Não foi difícil. Desde então, eu e o Fábio quisemos nos conhecer pessoalmente. Ele nasceu aqui, em Guaratinguetá, mas vive e trabalha em Goiás. Foi um tanto difícil nos encontrarmos. Por fim, numa tarde radiosa de janeiro, fomos até sua casa, na estrada Guará-Cunha. Passamos (eu, Walter e Fábio) uma tarde memorável. Bebericando a saborosíssima limonada preparada por sua mãe, conversamos sobre literatura, trabalho, amizade, vida. A tarde foi arrematada por um café na cozinha aberta ao verde: pássaros e ruído refrescante de água completaram o momento. Fábio contou que é advogado e funcionário público. Paralelamente, tece álbuns coloridos, onde mescla seus próprios textos com textos de autores consagrados, imagens, colagens, rabiscos, pinturas. Segredou-me o Walter: "o Fábio ainda não sabe, mas é um autor multimidiático". É verdade. Sua obra, embora intuitiva e simples, fala muito mais alto que ele imagina. Ainda vamos ouvir falar dela. E dele.
Logo mais, postarei um comentário que o Fábio, em "pagamento", escreveu sobre "Menina dos Olhos."
VOO NUPCIAL – Fábio Tibúrcio
Ninguém começa a fazer poesia
quando começa a escrever poesia.
O processo de formação começa
antes, muito antes,
sem a gente saber, inclusive.
“Tragédia brasileira”
“Porquinho da Índia”
e “Momento num café”
foram minhas primeiras
experiências poéticas.
Eu lia como quem voava,
enquanto alguma coisa era lançada
para dentro de mim.
Eu estava sendo fecundado
e não sabia de nada.
A literatura é esse ato sem nenhum
método de prevenção concepcional.
Ainda que homem, ela te faz voar.
Ainda que homem, ela te faz gerar.
Poeticamente falando, perdi minha
virgindade aos vinte anos.
Foi com o Manuel Bandeira.
Para Manuel Bandeira
“Gostei do poema. Simples e direto, mas eficiente na sugestão (para quem lê na entrelinhas). É um poema metalinguístico, é óbvio. Fala de si, do próprio fazer poético. Mais: fala do sentir poético. Já li em algum livro de Teoria Literária (às vezes a desprezo!) que existe uma diferença entre “poema” e “poesia”. O primeiro seria o sentimento, o olhar, a “fisgada” emotiva que nos leva a escrever. O texto escrito seria a poesia. O “seu” poema fala disso, sem, entretanto, (Fábio é sábio) distinguir tão fisiologicamente as etapas. Ainda faz questão de anunciar os nomes de alguns poemas que o polinizaram. Poemas curtos, rápidos, até. Inusitados, com finais criativos e inesperados. Como e dele próprio, “Voo Nupcial”. Talvez tenha acontecido com ele, ao ler o poema, o que acontece conosco quando nos defrontamos com um texto perfeito: a sensação de que ele já existia dentro de nós e que o outro conseguiu transformar em palavras. Mais ou menos como diz Milton Nascimento: “certas canções que ouço/cabem tão dentro de mim/que perguntar carece/como não fui eu que fiz.” Fábio ainda se sente “voar” ao ler os poemas, verbo muito bem empregado. Não é assim que nos sentimos, quando imersos na leitura? Voar, viajar e, atualmente, navegar, são verbos que remetem ao prazer da leitura, aos momentos em que conseguimos nos abstrair da realidade para um mergulho de corpo e alma nas palavras. E vamos ao querido Fernando Pessoa: “Navegar é preciso/viver não é preciso.” Muito interessante a coragem do moço em assumir sua feminilidade ao dizer que foi fecundado, numa atitude passiva que remete, tradicionalmente, à figura feminina. Que foi gerado. É como mulher pássaro que ele se assume, grávido de poesia. E ainda diz quem foi o pai: Manuel Bandeira. “A literatura é esse ato sem nenhum método de prevenção concepcional.” Ele expande, não se restringe à poesia, mas fala da literatura e a associa ao ato sexual, resultado de um processo de sedução, aqui entre o autor/texto e leitor. Em princípio, cede sem perceber. Depois, em plena consciência da gravidez que surgirá. E, alisando a barrigona, dá à luz, solteiro, inteiro, ao poema “Voo Nupcial”. Gostei.”
Eliana Maciel
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