sexta-feira, 3 de dezembro de 2010

DAS AUTOBIOGRAFIAS - JOÃO PIRES


Nasci numa cidade que cresce em média 16% ao ano. Eu já caí de bicicleta no Clube dos 500. Eu já desejei ser uma mosquinha. Eu já conheci os hippies de Maromba. Eu já fui de trem para Campos do Jordão. Eu já comi aipim na praia do Jabaquara. Eu já tive desejo de nunca abandonar o centro de Paraty. Eu já tomei o sorvete do Italiano. Eu já me apaixonei pela minha melhor amiga. Duas vezes. Eu já estudei por prazer. Eu já perdoei por vontade. Eu já fiquei entre olhos secos e molhados. Eu já corri na chuva em Ubatuba. Eu já passei horas numa livraria. Eu já escorreguei numa cachoeira. Eu já comi marshmallow com os amigos, contando histórias de terror em volta de uma fogueira. Eu já descobri que Paulo Coelho é um plagiador. Eu já fiz trilha na mata. Eu já descobri que sou um Bento Santiago. Eu já gritei desesperadamente na rua. Eu já fiz manha pra não ir à escola. Eu já desejei nunca sair de uma escola. Eu já cantei música em inglês errado. Eu já fiquei lendo por horas e horas. Eu já pintei quadros com a raiva de Guernica. Eu já fiz confissões chorosas por entre os lençóis da infância. Eu já me revoltei com um boneco do tipo João bobo. Eu já fui infeliz e sabia. Eu já passei quatro anos em um buraco tricolor. Eu já nadei na praia à noite. Eu já compreendi a distinção entre vida e morte. Eu já fiquei acordado para ver um eclipse imaginário. Eu já assisti desenho animado de manhã. Eu já derrubei uma árvore de natal. Eu já abracei uma árvore para ganhar energia. Eu já fui dormir e pensei no fim dos dias. Eu já entendi a região fronteiriça de Shakespeare, aquela da qual nenhum viajante jamais retornou. Eu já fui dormir na cama dos meus pais por causa de um pesadelo. Eu já acordei pela manhã e fiquei na cama pensando na vida. Eu já encharquei meu travesseiro de lágrimas necessárias. Eu já me senti sozinho no meio de uma multidão. Eu já me senti o melhor do mundo. Eu já me senti o pior do mundo. Eu já fui pra escanteio. Eu já estive na berlinda. Eu já andei muito de bicicleta pela Terra das Garças Brancas. Eu já cheguei em casa de madrugada. Eu já comi pipoca na praça. Eu já fiquei feliz quando dei tchau pro carro de trás. Eu já me perdi no volante da vida. Eu já sentei no colo do Papai Noel. Eu já tentei escrever um livro. Eu já pensei que tinha amigos quando não tinha. Eu já pensei que não tinha amigos quando na verdade eu tinha. Eu já almocei na Tia Alzira. Eu já me satisfiz com o amor pelas palavras. Eu já olhei pra lua e não consegui definir o que significa amar. Eu já li Guimarães Rosa e não entendi nada. Eu já li Guimarães Rosa e entendi tudo. Eu já andei a cavalo por aí. Eu já fiz piquenique no campus da UNESP. Eu já gravei uma novela. Eu já visitei asilos e creches. Eu já fiz trabalho voluntário. Eu já acendi uma vela só pra apagar depois. Eu já alimentei um amor só pra depois esquecê-lo. Eu já aprendi que sonhos são como a Física para Einstein. Eu já aprendi que dar risada é fácil. Eu já aprendi que arrancar lágrimas também é fácil. Eu já ri por bobeira. Eu já chorei por besteira. Eu já peguei uma rosa da roseira e dei pra minha mãe. Eu já assoprei dente-de-leão e quis sair voando ao vento junto com suas pétalas.

                                                 João Paula Santos Pires.

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