Assim, chego aos quarenta e oito anos. Com disposição (afora a preguiça-nossa-de-cada-domingo) e saúde (exceto um colesterol teimoso). Chego aos quarenta e oito não com um corpinho de vinte (ai, ai), mas, com a alegria dos dezoito. Não com a ingenuidade dos quinze (ainda bem!), mas, com a energia dos trinta.
Chego aos quarenta e oito com a lembrança curada de um filho que perdi, ainda na barriga. E com a longa convivência dos dois que ganhei, de presente, e que me são companheiros perfeitos. Dois homens já. Dois bons homens. Amigos de todas as vidas.
Chego aos quarenta e oito anos compreendendo de verdade o que é a família – e procurando me unir a cada um pelo que tem de melhor. Chego aos quarenta e oito surpresa e maravilhada com as muitas mensagens e telefonemas e declarações sutis de amigos. Que não me esquecem, que compartilham comigo meus sucessos e compreendem meus silêncios.
Chego aos quarenta e oito tendo reescrito a minha infância e revelado a tanta gente a maneira como comecei a me tornar mulher.
Chego aos quarenta e oito anos sem ter deixado para trás a simplicidade, a espontaneidade, o amor pelas palavras, o carinho pelas pessoas, a crença em dias melhores para o país, o mundo, as crianças, as árvores e os pássaros.
Chego aos quarenta e oito anos sem ter a mínima vontade de mentir a idade. E contente por vê-la expressa em minha pele branca, meus olhos amarelados, meu modo de me vestir, minhas lembranças de infância e juventude.
Chego aos quarenta e oito anos com tanto trabalho a fazer... alunos para quem ensinar e com quem aprender, escolas para cuidar, projetos a desenvolver, cursos para ainda me matricular, livros para ler e escrever...
Chego aos quarenta e oito tentando me culpar menos, sorrir ainda mais, manter dieta saudável e rotina de exercícios físicos. Acima de tudo, procurando extrair de cada momento aprendizados para a eternidade. Chego aos quarenta e oito vivendo num gracioso apartamento: pequeno o suficiente para não haver espaço ao acúmulo de mágoas e grande o bastante para conter sonhos e projetos.
Chego aos quarenta e oito anos sabendo que enfrentei, cotidianamente, meus medos, a solidão, a exaustão, as responsabilidades... procurando misturar tudo no caldo transparente da verdade.
Chego aos quarenta e oito anos tendo descoberto, enfim, a diferença entre o amor e a cansativa paixão. Chego aos quarenta e oito com a memória menos sofrida de amores passados e a aceitação extasiada da oportunidade presente de passar a limpo, com cuidado, uma bela história de amor.
Chego aos quarenta e oito anos agradecendo... filhos, família, amigos, aos que foram e, que, decerto, estão por aqui, a me rodear de proteção.
Chego aos quarenta e oito anos assim... feliz!