sábado, 24 de dezembro de 2011

Sobre 'strudel', família e amor

Minha avó paterna nasceu na Áustria. Veio para o Brasil em 1912, aos 23 anos. Seus pais a enviaram para que sondasse se valia a pena toda a família vir também. E ela veio, a bordo do navio “Marta Washington”. Sozinha.
Os familiares mais velhos se lembram de ouvi-la contar, num forte sotaque alemão, que, no navio, comera uma fruta então por ela desconhecida: a banana. Minha avó nem sabia como descascar a fruta perfumada... pediu que a ensinassem e, depois da primeira mordida, julgou que a fruta, tão saborosa, só podia ser muito rara. Não teve dúvidas: fechou o que sobrara da banana dentro da casca fendida para saborear aos poucos, mais tarde. Qual não deve ter sido sua surpresa quando chegou ao Brasil e viu cachos e cachos de bananas nas feiras, mercados, quitandas, fruteiras...
Tradição culinária originária da Áustria, e adotada por outros países da Europa, o “Apfelstrudel” (folhado de maçã), é um doce em que pequenos pedaços de maçã cobertos com açúcar e canela são envoltos por uma massa bem fina e tudo vai ao forno, para assar e ser devorado ainda quente.
Tendo se encantado pelo sabor suculento da banana e, por certo, observando que no Brasil a banana era tão fácil (e economicamente viável) como a maçã na Europa, minha avó fez uma adaptação da famosa receita do “Apfelstrudel”: em vez do recheio de maçã, são rodelas de bananas nanicas bem maduras que dão sabor à massa fina.
Minha mãe, que morava ao lado da casa de minha avó, aprendeu a receita do “Strudel”. É delicioso observar minha mãe abrindo a massa tão fina até que se descortine a estampa da toalha de mesa que está embaixo... as rodelas de banana sendo esparramadas por sobre a massa... o açúcar caindo feito neve sobre as bananas... a canela abrasileirando ainda mais o sabor... os pedaços fartos de manteiga... Depois, o ritual um tanto ansioso de enrolar feito rocambole a massa muito recheada e, tendo a toalha como apoio, deitar o grande tronco na assadeira. Do forno, o aroma se esparrama rapidamente pela casa, enquanto esperamos ficar pronto...
Para nós, seus filhos, o doce é um laço familiar, é como as páginas de um livro que conta a história da imigração da minha avó, de sua adaptação ao novo país (da maçã para a banana), de seus casamentos, da vida difícil na zona rural, da trágica morte de seu primeiro marido, dos nascimentos dos tantos filhos... A despeito das dificuldades que marcaram a sua vida, numa terra tão diferente da terra em que nasceu, nós sentimos, ao saborear o “Strudel”, que valeu a pena... que ela soube (como muitas mulheres sabem) fazer da amargura um doce, misturando dentro da mesma massa Europa e América, Áustria e Brasil, Viena e Guaratinguetá, neve e sol intenso, luta e amor. E nos sentimos como bananas quentes, dentro de um ninho aconchegante de carinho e história familiar.
Para vocês, meus amigos, a receita do “Bananastrudel”.
“BANANASTRUDEL” (por Emma Posch e Dina Maciel)
Para preparar o Strudel, comece comprando no mercado ou em feiras (as bananas de supermercado não são tão saborosas) 2 dúzias de bananas nanicas (obrigatoriamente nanicas!) bem maduras (bem mesmo, muito pintadas e molinhas). Reserve.
Dentro de uma tigela grande, coloque 3 xícaras de trigo. Afaste a farinha do centro da tigela, deixando um vão redondo. Ali, acondicione 1 colher de manteiga (a nossa Maringá é ótima) e 1 ovo inteiro. Leve ao fogo para amornar meia xícara de água (medida aproximada) com uma pitada de sal. Misture a massa com as mãos enquanto adiciona, devagar, a água morna até que a massa fique uniforme e lisa. Sove bem a massa (bem mesmo! Costuma doer os pulsos). Deite-a no fundo da tigela (minha mãe costuma desenhar com a lateral da mão, uma cruz sobre a massa), cubra com um pano bem branco e deixe descansar por meia hora. Neste tempo, descasque e corte em rodelas (nem muito finas nem muito grossas) as bananas nanicas (vale pedir ajuda!).
Estenda sobre a mesa uma toalha e abra a massa sobre ela, no início com um rolo e depois com as mãos, bem devagar. A massa deve ficar bem fina, transparente (diz a tradição que a massa deve ficar tão fina que é possível ler um jornal através dela). Muitas vezes, as bordas extrapolam a superfície da mesa. Esparrame sobre a massa as rodelas de banana, salpique açúcar, bastante canela em pó, pedaços de manteiga, uvas passas. Outros ingredientes possíveis para o recheio: frutas cristalizadas, amêndoas trituradas, goiabada, nozes...
Com a ajuda da toalha, enrole a massa como rocambole. Unte assadeira grande e deixe quase escorregar o rocambole para dentro dela. Algumas vezes, pode acontecer da massa se romper e o recheio (rebelde) querer sair. Pacientemente, feche com os dedos os vãos, utilizando, se preciso, pedaços da massa que ficam nas bordas. Pincele manteiga sobre o “Strudel” e leve-o ao forno médio. Vez ou outra, abra o forno, colha a calda que estará no fundo da assadeira (quanto mais maduras e de qualidade as bananas, mais calda teremos) e a solte sobre a massa. Quando observar que a massa está sequinha por cima e o aroma tão delicioso que não dá mais para esperar, desligue o forno, aguarde alguns minutos e sirva. Há os que preferem com sorvete de creme, chantili, calda de baunilha... Em casa, comemos mesmo puro... acompanhado de “hummmms” e muita conversa.
Que tenham todos um Feliz Natal!