domingo, 28 de agosto de 2011

HISTÓRIA PARA CRIANÇAS... DE TODAS AS IDADES

MARINA DAS TRANÇAS
            Marina era uma indiazinha xavante de doze anos. Desde bem pequena, acostumara-se a dividir seus cabelos em quatro partes e a trançar cada uma delas. Aos poucos, as tranças finas da menina Marina tornaram-se volumosas, perfumadas, brilhantes e muito negras.
            Um dia, sua mãe pediu-lhe que fosse à floresta buscar água, raízes e lenha. Marina levava um pote para a água, um baquité para a lenha e as raízes e seu pequeno machado de pedra.
            Dirigiu-se primeiro à Cachoeira Grande, mas, assim que mergulhou o pote na água, aconteceu... a cachoeira secou, não havia mais uma gota de água onde antes deslizava uma enorme cascata.
            Marina, a menina das quatro tranças, pediu:
            - Cachoeira, dá-me sua água para eu matar a sede do meu povo.
            Mal havia acabado de falar, ouviu um grande rumor que saía das altas pedras:
            - Marina, dá-me em troca uma de suas tranças, a mais grossa, para que minhas águas nunca percam o volume.
            No mesmo instante, Marina cortou uma de suas tranças com seu machado de pedra e a atirou no leito, agora seco, do rio. Antes que a trança atingisse o solo, as águas começaram novamente a jorrar, ainda mais barulhentas, grossas e límpidas. Marina recolheu a água no pote, colocou-o sobre a cabeça e continuou seu caminho.
            A próxima parada foi no campo de lenha. Avistou por ali muita lenha seca e firme, própria para o fogo, mas, quando se abaixou para coletá-la, aconteceu... começou a cair uma garoa que imediatamente molhou toda a lenha, tornando-a úmida e esverdeada.
            Marina, a menina das três tranças, disse:
            - Sol, dá-me seu calor para eu poder levar o fogo para o meu povo.
            Em seguida às suas palavras, ela ouviu uma voz de trovão, vinda das nuvens:
            - Marina, dá-me uma de suas tranças, a mais brilhante, para que meus raios nunca se apaguem.
            A menina rapidamente cortou outra de suas tranças e a atirou para o alto. As nuvens, então, se abriram e deram passagem para os raios do Sol que, em pouco tempo, de tão fortes, secaram a lenha. Marina recolheu o que pode e seguiu em frente.
            Agora só faltavam as raízes para Marina poder voltar para a aldeia. Chegando à roça das raízes, Marina abaixou-se para colhê-las, mas, mal havia encostado seus dedos nelas, aconteceu... a terra virou lama e escondeu todas as raízes em seu ventre.
            Marina, a menina das duas tranças, implorou:
            - Terra, dá-me suas raízes para eu poder levar alimento para o meu povo.
            Naquele instante ouviu uma voz vinda do fundo da terra, como um terremoto:
            - Marina, dá-me uma de suas tranças, a mais perfumada, para que meus frutos sejam sempre saborosos.
            Marina, então, cortou mais uma de suas tranças e a deixou cair. Antes mesmo que a trança roçasse o chão, a terra ofereceu novamente as raízes, ainda mais viçosas e macias. Marina colheu todas que pode, guardou-as no baquité e pensou que já era hora de voltar para casa.
            Recomeçando a caminhar, percebeu que a noite começava a cair. Marina apertou o passo, mas não adiantou... a noite desceu sobre ela e a floresta, cobrindo tudo com seu manto negro.
            Marina, a menina da única trança, rogou:
            - Noite, dá-me sua luz para que eu possa voltar para o meu povo.
            A indiazinha ouviu então uma forte voz que envolvia toda a escuridão:
            - Marina, dá-me sua última trança, que é a mais escura, para que minhas trevas nunca se acabem.
            Marina rapidamente cortou sua última trança e a atirou para o alto. Naquele instante, uma grande Lua nasceu, iluminando o caminho até a aldeia.
            Marina, a menina sem tranças, chegou ao centro da aldeia, onde todos a esperavam, ansiosos. Naquela noite, ninguém dormiu: todos ouviam fascinados a história de Marina, saboreando as deliciosas raízes, bebendo da límpida água, aquecendo-se numa colorosa fogueira e apreciando as belas estrelas.
            Marina deixou seu cabelo crescer novamente, mas nunca mais fez tranças. Marina não era mais uma menina; Marina era, agora, uma mulher.

Eliana Maciel

ACABEI DE LER...

Acabei de devorar... "A Guerra de Clara", de Clara Kramer. Assim que o abri, quase não pude mais deixá-lo, de tão envolvente e sensível. A narrativa em 1ª pessoa nos leva a viver no mundo de Clara, uma adolescente polonesa-judia, que se vê obrigada, junto com sua família, a permanecer em um esconderijo sob a casa de um alemão anti-semita. Surpreendente descobrir, junto com a menina, como os laços que ligam as pessoas tendem a se estreitar, conforme se abrem para um relacionamento. Os anti-semitas tornam-se verdadeiros guardiões das famílias judias que vivem em seu esconderijo apertado, úmido e fétido. Os horrores da 2ª Guerra contados por esta mulher corajosa que vive nos EUA até os dias de hoje. Houve muito mais "Schindlers" do que imaginamos...



domingo, 21 de agosto de 2011

Do Caderno H...

Para divertir e provocar, fragmentos do "Caderno H", do Mário Quintana, "o poeta das coisas simples."

"Cartaz para uma feira do livro
Os verdadeiros analfabetos são os que aprenderam a ler e não leem.
Parábola?
Os espelhos partidos têm muito mais luas.

Imagem
Haverá ainda, no mundo, coisas tão simples e tão puras como a água bebida na concha das mãos?
Tempo
Coisa que acaba de deixar a querida leitora um pouco mais velha ao chegar ao fim desta linha.
Fim
E chegará um tempo em que os militares inventarão um projétil tão perfeito, mas tão perfeito mesmo, que dará volta ao mundo e os pegará por trás."
                                                                                  Mário Quintana



Decifrando enigmas...

Na semana passada assisti pela segunda vez a um filme muito interessante. Não é um filme novo, foi lançado em 1993. O título, traduzido, é "O Enigma das Cartas". A história gira em torno de uma família cujo pai faleceu em uma escavação arqueológica. A mãe não aceita a morte do marido e tem dificuldade em enfrentar a vida com os dois filhos, um menino e uma menina. A pequena começa a apresentar sintomas típicos de autismo, se afastando cada vez mais da vida cotidiana. A mãe, então, inicia um movimento de (re)encontrar a filha. Há cenas surpreendentes, tocantes, emocionantes. A interprertação da menina é excelente. Para pensar sobre: construir laços familiares, assumir responsabilidades, enfrentar perdas, chorar as lágrimas todas, vivenciar o luto e a perda, renovar-se, encontrar verdadeiramente o outro. Vale a pena!



domingo, 14 de agosto de 2011

Fiquei sabendo...

... que o edifício que está sendo construído no terreno onde viviam as jabuticabeiras (vide postagem "O Elefante e as Jabuticabeiras") terá como nome elas mesmas, "Jabuticabeiras".
... que a professorinha que me ensinou a ler, oferecendo-me o "livro mais bonito da biblioteca" (vide postagem "Saboroso Engodo") chama-se Dulce, está com quase noventa anos, é ativa e lúcida... acho que vou procurá-la.

Era uma vez...

ERA UMA VEZ

Era uma vez
uma mulher
que via
um futuro
grandioso
para cada homem
que a tocava.

Um dia
Ela se tocou.

Alice Ruiz





Pai Saudade

Fim de domingo. Domindo dos pais. Data estranha para quem já se despediu do seu pai, há muitos anos. Fica-se entre a saudade e a alegria de ver os outros comemorando... Entre a tristeza assentada como chão de terra depois de molhada e a vontade eterna de abraçar o homem que se foi...
No silêncio de minha casa, busquei alguns escritos antigos. Dentre deles, encontrei um texto singelo, que escrevi em 1988, aos 24 anos, poucos dias antes de me casar. Relata, com a parcialidade de uma filha amorosa, um momento dos anos compartilhados com meu pai. Vejam:
MEDOS RURAIS
                               - Estou falante hoje! Avisa meu pai já nas primeiras horas da manhã. E passa o dia a conversar com quem encontra e, quando não encontra, deve – suposição minha – conversar consigo mesmo.  Nesses dias de falatório, as conversas preferidas são as lembranças do passado  de sua família no campo, vivendo as belezas e os problemas de cultivar a terra.
                               Hoje, principalmente, meu pai falou sobre as “histórias de assombração”, que provocam muitos pesadelos e inseguranças, mas trazem também muita atração e excitação.
                               Ouço-o falar sobre vários episódios que aconteceram com ele próprio e com outros. Conta casos como o da mão branca que apareceu na soleira da porta, da pedrinha que rolava no telhado, do armário cuja porta se ouvia abrir e deixar cair toda a louça no chão (quando verificado, estava tudo intacto e o armário de portas fechadas), com alegria e sentimento de partilha.
                               Já ouvi essas histórias umas oitenta vezes, mas nunca me canso, pois, a cada vez, meu pai acrescenta um detalhe que modifica e ilustra a história. Mais que o enredo dos “causos”, a voz do meu pai é contagiante. Ele vibra com cada palavra e nos leva ao momento dos acontecimentos.
                            Nosso passado é apenas lembrado; somos a geração que ouviu contar e não viveu. A decadência da sociedade rural levou-nos para a cidade, onde os medos são outros, mais reais e menos criativos que os rurais.
                               Que pena! Nunca ouvi meu pai contar suas histórias sentada num fogão “de” lenha ou num terreiro de café. Pai, você é um contador de histórias maravilhoso, pois nos remete ao cheiro do mato, do café, da fogueira e, principalmente, ao fundo do seu coração.
Eliana Maciel
Tomara que o domingo tenha sido feliz para todos os pais – onde quer que eles estejam.
Sugiro o link: http://www.youtube.com/watch?v=TwVU_7SSdBI   , em que o talentoso sambista Diogo Nogueira faz uma homenagem emocionante ao pai, Paulinho Nogueira. Inesquecível!

domingo, 7 de agosto de 2011

A VIDA É TÃO CURTA... CURTA...

Terminei de ler um belo – e triste – livro: “Vita Brevis”, do Jostein Gaarder. Trata-se de uma carta, supostamente escrita por Flória Emília, ex-companheira de Aurel, Aurélio Agostinho, bispo da Igreja Católica que se tornaria Santo Agostinho. Eles viveram juntos por 12 anos e tiveram um filho, Adeodato, cujo nome significa presente de Deus.
Flória, após ser abandonada por Aurel e de ter seu filho arrancado de sua companhia, dedicou-se a estudar Filosofia e Teologia a fim de compreender os motivos que levaram Aurel a deixá-la. A carta é um profundo desabafo, o lamento de uma mulher abandonada e traída, não por outra mulher, mas pelo mundo das ideias. Flória torna-se sábia o bastante para debater as ideias de Agostinho em suas famosas “Confissões”. E, mais que isso, as palavras de Flória são um diálogo entre o mundo sensível, palpável, e o mundo filosófico; entre o mundo dos sentidos e a perspectiva de que, longe dele, a alma estará salva (segundo Agostinho). Flória torna-se filósofa, mas, acima, antes e além de tudo, é uma mulher, que vibra com as lembranças do amor e do prazer advindos de sua relação com Aurel. É inevitável durante a leitura adotarmos o ponto-de-vista de Flória e até sentirmos certa raiva de Aurel.  
Lembrei-me do livro hoje pela manhã, quando perguntei ao meu amor o que poderia significar o sonho que tive: uma pequena ilha suavemente desaparecendo, coberta pelo mar. Ele  respondeu: “significa um sonho em que uma pequena ilha suavemente desaparece, coberta pelo mar. O que mais poderia significar?”  Satisfeito, puxou-me para junto de si e beijou meus cabelos. E não houve sonho, ilha, mar ou livro que sobrevivessem àquele momento.
 Pobre Aurel...  
Leiam um trecho:
“(...) Então chegamos à velha praça-forte de Florentia, junto ao rio Arno. És capaz de lembrar como ficamos ali, apontando para as montanhas nevadas que se revelaram subitamente através das árvores? Lembras apenas idéias, Aurel, não podes tentar relembrar algumas experiências sensíveis reais também? Logo atravessamos o rio, e foi enquanto estávamos na ponte que te aproximaste de mim por trás. Conversavas com alguns homens, mas de repente estavas ao meu lado. Senti tua mão em meu ombro e então puxaste-me gentilmente para perto de ti e sussurraste: “ A vida é tão curta, Flória!
Então pegaste meu pulso e seguraste-o apertado – como se tivesses decidido que se tratava de um momento que não querias esquecer. Foi quando perguntaste se podias cheirar meus cabelos. E assim o fizeste. Senti tua respiração em meu pescoço enquanto desembaraçavas meus longos cabelos e aspiravas seu perfume. Era como se quisesses sugar-me inteira para dentro de ti como se meu lar fosse dentro de ti. Parecia que querias expressar algo sobre como eu sempre te pertenceria, porque nossas almas se tinham fundido.”
“A vida é tão curta...”