quarta-feira, 11 de janeiro de 2012

QUARENTA E OITO

Assim, chego aos quarenta e oito anos. Com disposição (afora a preguiça-nossa-de-cada-domingo) e saúde (exceto um colesterol teimoso). Chego aos quarenta e oito não com um corpinho de vinte (ai, ai), mas, com a alegria dos dezoito. Não com a ingenuidade dos quinze (ainda bem!), mas, com a energia dos trinta.
Chego aos quarenta e oito com a lembrança curada de um filho que perdi, ainda na barriga. E com a longa convivência dos dois que ganhei, de presente, e que me são companheiros perfeitos. Dois homens já. Dois bons homens. Amigos de todas as vidas.
Chego aos quarenta e oito anos compreendendo de verdade o que é a família – e procurando me unir a cada um pelo que tem de melhor. Chego aos quarenta e oito surpresa e maravilhada com as muitas mensagens e telefonemas e declarações sutis de amigos. Que não me esquecem, que compartilham comigo meus sucessos e compreendem meus silêncios.
Chego aos quarenta e oito tendo reescrito a minha infância e revelado a tanta gente a maneira como comecei a me tornar mulher.
Chego aos quarenta e oito anos sem ter deixado para trás a simplicidade, a espontaneidade, o amor pelas palavras, o carinho pelas pessoas, a crença em dias melhores para o país, o mundo, as crianças, as árvores e os pássaros.
Chego aos quarenta e oito anos sem ter a mínima vontade de mentir a idade. E contente por vê-la expressa em minha pele branca, meus olhos amarelados, meu modo de me vestir, minhas lembranças de infância e juventude.
Chego aos quarenta e oito anos com tanto trabalho a fazer... alunos para quem ensinar e com quem aprender, escolas para cuidar, projetos a desenvolver, cursos para ainda me matricular, livros para ler e escrever...
Chego aos quarenta e oito tentando me culpar menos, sorrir ainda mais, manter dieta saudável e rotina de exercícios físicos. Acima de tudo, procurando extrair de cada momento aprendizados para a eternidade. Chego aos quarenta e oito vivendo num gracioso apartamento: pequeno o suficiente para não haver espaço ao acúmulo de mágoas e grande o bastante para conter sonhos e projetos.
Chego aos quarenta e oito anos sabendo que enfrentei, cotidianamente, meus medos, a solidão, a exaustão, as responsabilidades... procurando misturar tudo no caldo transparente da verdade.
Chego aos quarenta e oito anos tendo descoberto, enfim, a diferença entre o amor e a cansativa paixão. Chego aos quarenta e oito com a memória menos sofrida de amores passados e a aceitação extasiada da oportunidade presente de passar a limpo, com cuidado, uma bela história de amor.
Chego aos quarenta e oito anos agradecendo... filhos, família, amigos, aos que foram e, que, decerto, estão por aqui, a me rodear de proteção.


Chego aos quarenta e oito anos assim... feliz!

sábado, 24 de dezembro de 2011

Sobre 'strudel', família e amor

Minha avó paterna nasceu na Áustria. Veio para o Brasil em 1912, aos 23 anos. Seus pais a enviaram para que sondasse se valia a pena toda a família vir também. E ela veio, a bordo do navio “Marta Washington”. Sozinha.
Os familiares mais velhos se lembram de ouvi-la contar, num forte sotaque alemão, que, no navio, comera uma fruta então por ela desconhecida: a banana. Minha avó nem sabia como descascar a fruta perfumada... pediu que a ensinassem e, depois da primeira mordida, julgou que a fruta, tão saborosa, só podia ser muito rara. Não teve dúvidas: fechou o que sobrara da banana dentro da casca fendida para saborear aos poucos, mais tarde. Qual não deve ter sido sua surpresa quando chegou ao Brasil e viu cachos e cachos de bananas nas feiras, mercados, quitandas, fruteiras...
Tradição culinária originária da Áustria, e adotada por outros países da Europa, o “Apfelstrudel” (folhado de maçã), é um doce em que pequenos pedaços de maçã cobertos com açúcar e canela são envoltos por uma massa bem fina e tudo vai ao forno, para assar e ser devorado ainda quente.
Tendo se encantado pelo sabor suculento da banana e, por certo, observando que no Brasil a banana era tão fácil (e economicamente viável) como a maçã na Europa, minha avó fez uma adaptação da famosa receita do “Apfelstrudel”: em vez do recheio de maçã, são rodelas de bananas nanicas bem maduras que dão sabor à massa fina.
Minha mãe, que morava ao lado da casa de minha avó, aprendeu a receita do “Strudel”. É delicioso observar minha mãe abrindo a massa tão fina até que se descortine a estampa da toalha de mesa que está embaixo... as rodelas de banana sendo esparramadas por sobre a massa... o açúcar caindo feito neve sobre as bananas... a canela abrasileirando ainda mais o sabor... os pedaços fartos de manteiga... Depois, o ritual um tanto ansioso de enrolar feito rocambole a massa muito recheada e, tendo a toalha como apoio, deitar o grande tronco na assadeira. Do forno, o aroma se esparrama rapidamente pela casa, enquanto esperamos ficar pronto...
Para nós, seus filhos, o doce é um laço familiar, é como as páginas de um livro que conta a história da imigração da minha avó, de sua adaptação ao novo país (da maçã para a banana), de seus casamentos, da vida difícil na zona rural, da trágica morte de seu primeiro marido, dos nascimentos dos tantos filhos... A despeito das dificuldades que marcaram a sua vida, numa terra tão diferente da terra em que nasceu, nós sentimos, ao saborear o “Strudel”, que valeu a pena... que ela soube (como muitas mulheres sabem) fazer da amargura um doce, misturando dentro da mesma massa Europa e América, Áustria e Brasil, Viena e Guaratinguetá, neve e sol intenso, luta e amor. E nos sentimos como bananas quentes, dentro de um ninho aconchegante de carinho e história familiar.
Para vocês, meus amigos, a receita do “Bananastrudel”.
“BANANASTRUDEL” (por Emma Posch e Dina Maciel)
Para preparar o Strudel, comece comprando no mercado ou em feiras (as bananas de supermercado não são tão saborosas) 2 dúzias de bananas nanicas (obrigatoriamente nanicas!) bem maduras (bem mesmo, muito pintadas e molinhas). Reserve.
Dentro de uma tigela grande, coloque 3 xícaras de trigo. Afaste a farinha do centro da tigela, deixando um vão redondo. Ali, acondicione 1 colher de manteiga (a nossa Maringá é ótima) e 1 ovo inteiro. Leve ao fogo para amornar meia xícara de água (medida aproximada) com uma pitada de sal. Misture a massa com as mãos enquanto adiciona, devagar, a água morna até que a massa fique uniforme e lisa. Sove bem a massa (bem mesmo! Costuma doer os pulsos). Deite-a no fundo da tigela (minha mãe costuma desenhar com a lateral da mão, uma cruz sobre a massa), cubra com um pano bem branco e deixe descansar por meia hora. Neste tempo, descasque e corte em rodelas (nem muito finas nem muito grossas) as bananas nanicas (vale pedir ajuda!).
Estenda sobre a mesa uma toalha e abra a massa sobre ela, no início com um rolo e depois com as mãos, bem devagar. A massa deve ficar bem fina, transparente (diz a tradição que a massa deve ficar tão fina que é possível ler um jornal através dela). Muitas vezes, as bordas extrapolam a superfície da mesa. Esparrame sobre a massa as rodelas de banana, salpique açúcar, bastante canela em pó, pedaços de manteiga, uvas passas. Outros ingredientes possíveis para o recheio: frutas cristalizadas, amêndoas trituradas, goiabada, nozes...
Com a ajuda da toalha, enrole a massa como rocambole. Unte assadeira grande e deixe quase escorregar o rocambole para dentro dela. Algumas vezes, pode acontecer da massa se romper e o recheio (rebelde) querer sair. Pacientemente, feche com os dedos os vãos, utilizando, se preciso, pedaços da massa que ficam nas bordas. Pincele manteiga sobre o “Strudel” e leve-o ao forno médio. Vez ou outra, abra o forno, colha a calda que estará no fundo da assadeira (quanto mais maduras e de qualidade as bananas, mais calda teremos) e a solte sobre a massa. Quando observar que a massa está sequinha por cima e o aroma tão delicioso que não dá mais para esperar, desligue o forno, aguarde alguns minutos e sirva. Há os que preferem com sorvete de creme, chantili, calda de baunilha... Em casa, comemos mesmo puro... acompanhado de “hummmms” e muita conversa.
Que tenham todos um Feliz Natal!




terça-feira, 15 de novembro de 2011

CORUJICE EXPLÍCITA

Vão falar que sou mãe-coruja... pura verdade. Mas, vou publicar aqui dois textos, escritos pelos meus filhos. O primeiro, Asterisco, de autoria do Ary, revela uma maturidade que me surpreendeu. O segundo, do Léo, escrito ontem à noite, deixou-me orgulhosa  pela sensibilidade e valores que traz. Espero que apreciem... Com vocês, meus "meninos"...´


ASTERISCO
             Dizem que boas ações fazem nascer uma estrela na testa.
            Sentado no banco de trás, de madeira e solavancos, pensava um soldado verde. Sozinho atrás de um caminhão, olhava para o exterior. Era claro, nítido. Dele tudo se afastava, na medida em que seguia para trás. Ou para frente?
            Pensava e se esforçava, tentava o equilíbrio. Eram buracos tantos na Estrada, e nunca havia de avisarem-se. A menos quando freava, se leve, sutil, delicadamente o Motorista, como quem avisa: Firmeza, filho, esse é grande.
            Os buracos passados, passaram. Depois de um tempo nem se lembra mais. Alguns de lembrança colorem de roxo o soldado verde. Mas até os roxos passam, ao passar. Arnica. E bastante o tem o soldado verde. Assim, de roxo em roxo se faz calejo, e do calejo se faz preparo, arauto da vitória.
            Pensava o soldado verde, nas casas que se iam ficando, singelas, feitas de suor e felicidade. Nas plantas que se esticam por entre as cercas e fugiam da Estrada, demarcando-o. E pensava nos animais pacatos que se iam andando, alguns trotando, outros dormindo, sem perceberem a Estrada nem o destino.
            E, sobretudo pensava nas pessoas, queridos amigos de pouso e repouso, repetidos e reafirmados, descobertos e encobertos. Sentia a saudade já a cutucar no bolso esquerdo, e lhe doía mais ao esbarrar com ela, devido a um buraco qualquer. Carregava-a com uma fissão de tristeza e alegria, como quem carrega uma parte da Estrada.
            Da guerra nem se fala. Nem se cala. Como ia ser quem sabe? Quem sabe já não o é? Talvez só o Motorista, velho de guerra... Era a guerra em alguma parte da Estrada. Reta de infinitos pontos. Curva de infinito raio. Talvez a guerra seja somente permanecer dentro do caminhão, vendo casas ficar plantar esticar arrumar animais tratar, e crianças dormir. E ser levado pelo Motorista. E a Estrada se levar no bolso esquerdo.
            Ninguém mais por isso lutava, e por isso já não percebiam a Estrada. Vagavam sem rumo, reclamando do sol do céu, dos pós das pedras, das costas de tudo ter dado as costas, como se não tivessem dado. Por isso seguia sozinho no banco de trás.
            Pensava e enquanto pensava, ouviu. Outro caminhão, outro soldado verde. O mesmo Motorista.
            E mais um caminhão, mais outro soldado verde.
            E sempre o mesmo Motorista.
            Enfim não estava só. Iam juntos, unidos, como se desde o começo da Estrada estivessem carregando uns aos outros no bolso esquerdo.
            E em comboio seguiam, a poeira que levantam os tingia de Terra, amadurecia-os.
            E puderam ver nos olhos uns dos outros, o reflexo de suas estrelas na testa.
            Considerava no céu, seguindo nesse caminho
                        de estrelas.
Ary Maciel Junqueira Ribeiro – 27/10/2011

"Segura a caneta e solta o cigarro
Acenda ideias e não o isqueiro
Escreva palavras, não devaneios
Mente poeta em corpo saudável
Ganhe tempo com letras, enxote fumaça
...
Que destrói o corpo e não serve pra nada
Se falo o que falo, faço o que digo
O cigarro pode parecer camarada
Mas não passa de um inimigo
Se cada tragada inspirada fosse palavra
Teríamos exorbitante variedade literária
Então todos que fumam se tornariam sábios
E os que já eram sábios, se tornariam sãos,
E vivenciaríamos a tão nova, velha era
De sábios sãos e sóbrios lunáticos.''
Léo Maciel Junqueira Ribeiro - 14/11/2011



LEITURA MÁGICA

Estive ontem passeando em São Paulo. Numa livraria, percorrendo os olhos pelos livros avolumados em estantes e vitrines, chamou-me a atenção um título: "O Ano da Leitura Mágica." A autora: Nina Sankovitch, uma desconhecida para mim. Livro na mão, apreciei sua capa em tom de amarelo suave. No alto, a frase do The New York Times acabou de me convencer: "Uma celebração à leitura." Comprei o livro e, ainda no carro, li a resenha e a vontade era de começar a leitura ali mesmo. À noite, em casa, sob as cobertas que estes dias chuvosos e de gostoso frio resgataram, iniciei a leitura... onze horas, meia-noite... os olhos fechando, a cabeça tombando, o livro escorregando das mãos... pela manhã, mais leitura... é feriado! Muitas páginas depois e o encantamento se multiplica. Nina Sankovitch perde a irmã para o câncer. A fim de redescobrir o significado da vida, lança a si mesma um desafio: ler um livro por dia durante um ano. Sim, um livro por dia! Estabelece rotinas e ritmos domésticos (tem marido e quatro filhos!) e vai lendo e escrevendo resenhas, que publica em seu 'site'. Junto com os comentários leves sobre os livros, vai nos oferecendo reflexões sobre a família, a vida, a morte, o sentido dos dias... ainda não terminei, mas, já senti que vale a pena... Recomendo...

domingo, 30 de outubro de 2011

FRAGMENTOS DE LEITURAS

A pedido de uma grande amiga, organizei fragmentos de livros que li e que abordam os livros e a leitura. Diferentes autores, muitas épocas e estilos... comum a todos: a paixão pela leitura. Espero que gostem.

“Amo os livros. E não é de fato divertido que pequenos sinais escuros sobre um papel possam ser tão interessantes? Folhas de papel com minúsculos símbolos pretos, e temos uma história.” Virgínia Axline
“Um livro não é um chumaço de papel; um livro é um cérebro, uma pessoa, várias pessoas, a nossa sociedade, a própria civilização.”Irving Wallace
“Os verdadeiros analfabetos são os que aprenderam a ler e não leem.” Mário Quintana
“A escrita é uma longa introspecção, é uma viagem às cavernas mais escuras da consciência, uma lenta meditação. Escrevo tateando o silêncio e pelo caminho descubro partículas de verdade, cristaizinhos que cabem na palma da mão e justificam minha passagem por esse mundo.” Isabel Allende
“O homem constrói casas porque está vivo, mas escreve livros porque se sabe mortal. Ele vive em grupo porque é gregário, mas lê porque se sabe só.” Daniel Pennac
“ - (...) Alguns livros você só lê se for obrigado. Essa é a beleza de uma educação formal. Ela faz você ler um monte de coisas às quais você normalmente jamais daria atenção.
  - E isso é bom?
 - No fim das contas, é bom, sim.” David Gilmour
“(...) a virtude paradoxal da leitura é nos abstrair do mundo para lhe emprestar um sentido.” Daniel Pennac
“Uma leitura bem levada nos salva de tudo, inclusive de nós mesmos.” Daniel Pennac
“Uma criança que se torna leitor (...) alcançou o estágio do homem que aprendeu a pescar.” Luzia de Maria
“Ser culto é o único modo de ser livre.”José Marti
A leitura é uma experiência. Ler sobre uma tempestade não é o mesmo que estar em uma tempestade, mas ambos são ambos são experiências. Respondemos emocionalmente a ambos e podemos aprender com ambos.”Luzia de Maria
“Os prazeres da leitura são múltiplos. Lemos para saber, para compreender, para refletir. Lemos também pela beleza da linguagem, para nossa emoção, para nossa perturbação. Lemos para compartilhar. Lemos para sonhar e para aprender a sonhar.” José Morais
“Por mais que os leitores se apropriem de um livro, no final, livro e leitor tornam-se uma só coisa. O mundo, que é um livro, é devorado por um leitor, que é uma letra no texto do mundo; assim, cria-se uma metáfora circular para a infinitude da leitura. Somos o que lemos (...). Esse é o motivo por que (...) nenhuma leitura pode ser definitiva.”José Morais
“O ato de ler estabelece uma relação íntima, física, da qual todos os sentidos participam: os olhos colhendo as palavras na página, os ouvidos ecoando os sons que estão sendo lidos, o nariz inalando o cheiro familiar de papel, cola, tinta, papelão ou couro, o tato acariciando a página áspera ou suave, a encadernação macia ou dura, às vezes até mesmo o paladar, quando os dedos do leitor são umedecidos na língua...” Alberto Manguel
“Aqueles que podem ler veem duas vezes melhor”. Menandro (séc. IV a.C.)
“Tenho sonhado às vezes que, quando chegar o Dia do Juízo e os grandes conquistadores, advogados e estadistas forem receber suas recompensar – suas coroas, lauréis, nomes gravados indelevelmente, em mármore imperecível -, o Todo-Poderoso irá se voltar para Pedro e dirá, não sem uma certa inveja quando nos vir chegando com nossos livros embaixo do braço: Veja, esses não precisam de recompensa. Não temos nada para lhes dar. Eles amaram a leitura.’” Richard de Bury
“Todo leitor é um andarilho em descanso ou um viajante de retorno.” Alberto Manguel
“Os que leem, os que nos contam o que lêem,
Os que ruidosamente viram as páginas de seus livros,
Os que detêm o poder sobre a tinta vermelha e preta e sobre as imagens,
São eles que nos conduzem, que nos guiam, que nos mostram o caminho.”
Códice asteca de 1524, Biblioteca Vaticana.

“Ler é, em última instância, não só uma ponte para a tomada de consciência, mas também um modo de existir no qual o indivíduo compreende e interpreta a expressão registrada pela escrita e passa a compreender-se no mundo.” Ezequiel Theodoro da Silva

“A leitura é sempre apropriação, invenção, produção de significados. Segundo a bela imagem de Michel de Certeau, o leitor é um caçador que percorre terras alheias (...)." Roger Chartier